agosto 22, 2007

Steiner, os livros e a escrita


O Silêncio e os Livros. Curto ensaio publicado na revista Esprit sob o título La haine du livre e agora lançado no formato livro e em português pela Gradiva. Steiner sintetiza a História do livro, dos seus defensores e detractores. Apresenta um discurso em defesa do conhecimento oral. Contudo, julgo que o Livro não é apenas um apanágio da ficção ou filosofia e aqui a abordagem de Steiner perde alguma coisa. É verdade que, o conhecer de "cor(ação)" um livro, eleva o valor do conteúdo e enriquece-nos, mas a verdade é que Steiner parece falar-nos de um romantismo próprio do século XIX, muito longe da realidade tecnológica do século XXI. Não pela evolução da internet ou televisão, que ele até refere, mas porque sem o livro, sem a escrita, sem a permanência do que se escreve, não existiria ciência, no seu sentido cartesiano. Como replicar uma experiência que se conhece de cor mas que cada vez que se transmite oralmente sofre, ainda que ligeiras, alterações. O método científico, pai de toda a tecnologia moderna, só foi possível graças ao aparecimento da escrita que permitiu que se depositasse a informação num suporte inalterável passível de ser facilmente transmitido e interpretado. Passível de ser "absorvido" como base para novos estudos que fizessem progredir o state-of-the-art das pesquisas em curso. Avançar, ir além, desenvolver e implementar novas tecnologias só foi possível graças ao aparecimento da escrita que contribuiu de forma inexorável para aquilo que a sociedade é hoje. Podemos pensar e estabelecer um paralelo entre aquilo que foram as civilizações tecnologicamente avançadas do passado como os Maias ou os Egípcios e ver que só o foram, porque em parte se socorreram da escrita.
“(a) escrita debilita o poder da memória (..) aquilo que fica escrito e que, portanto, pode ser armazenado, já não precisa de ser confiado à memória” (Steiner, 2005:15)
Pois é. Numa primeira leitura, apelará facilmente ao romantismo, mas a verdade é que o que acontece é exactamente o contrário. A escrita permitiu expandir a memória e ao funcionar como prolongamento dessa mesma memória - as extensões de McLuhan - permitiu libertar-nos para a criação de muito mais mundo, mais ficção e mais tecnologia.

Aliás neste mesmo sentido, uma das coisas que sempre me incomodou e deixou bastante triste com a humanidade foi a destruição da Biblioteca de Alexandria. Seria o nosso mundo como é em 2007 se esta destruição de memória não tivesse ocorrido? A sociedade dessa altura poderia ter evoluído em poucas centenas de anos para niveis provavelmente próximos dos de hoje sem necessitarmos de atravessar um deserto de quase 2000 anos. A escrita, mas fundamentalmente o livro, são os responsáveis máximos por estes últimos 150 anos de evolução tecnológica, sempre assentes nas descobertas científicas. Claramente tivemos Galileu, Descartes, Newton mas tiveram de lutar contra uma sociedade que vivia num mundo de poucos conhecimentos e onde o pouco que havia era controlado por uma igreja assente sobre dogmas e parábolas. Foi o livro que permitiu que o conhecimento se espalhasse e se expandisse para lá das fronteiras da religião. Mas é mesmo o próprio Steiner quem vem dar razão a todo este modo estruturante da nossa sociedade, quando afirma
"...a nossa herança intelectual e ética, bem como a leitura que fazemos da nossa identidade e da morte, vêm-nos directamente de Sócrates e Jesus de Nazaré. Nenhum deles, contudo, fez questão de ser autor e muito menos de ser publicado" (Steiner, 2005:9)
É verdade que nenhum deles foi autor, mas também é verdade que nenhum deles representaria hoje o que representam se não tivesse existido Platão ou Paulo. É verdade que Sócrates e Jesus nos iluminaram o caminho partindo de um quase vazio e apresentando todo um pensamento de uma extrema fertilidade capaz de subjugar as mentes mais inteligentes socorrendo-se do discurso directo, oral, que potenciavam na forma da sua linguagem corporal e na acção.

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