fevereiro 01, 2012

Incendies (2010), difícil de digerir

Incendies (2010) comoveu-me como há muito não sentia com o cinema, chorei. Aliás a última vez que um filme me levou tão longe foi com Blood Diamond (2006).


Incendies leva-nos por uma descoberta das raízes de sangue, de um pai perdido, e de um filho doado para adopção também sem rasto. Uma mãe que morre e faz aos seus dois filhos, gémeos, em testamento, um último pedido: que encontrem o seu pai, e o seu irmão.


A narrativa leva-nos na aventura pelo médio-oriente (provavelmente o Líbano), mas não se limitará a levar-nos atrás dos filhos no presente. Simultaneamente poderosas revelações sobre quem era verdadeiramente a sua mãe são narradas na primeira pessoa, em flashback. O filme usa o tom documental, naturalista na abordagem do tema, e realista na técnica cinematográfica. Cinematograficamente é muito bem conseguido, mas é um filme que nos toca essencialmente a partir de três ângulos: a história, a forma narrativa e a dramatização.


Assim pelo lado da história, não é possível ir aqui mais longe sem estragar a experiência do filme. Posso apenas dizer que o que aquela mãe tem para revelar é importante para aqueles filhos, mas não só. A história apresenta um lado pedagógico sobre os efeitos do fundamentalismo religioso, muito exacerbado naquela zona do globo. Em termos metafóricos somos levados para a boca do inferno, e dificilmente saímos de lá ilesos, ou seja as nossas emoções são de algum modo vilipendiadas ao longo do filme.

E se a história é forte, é-o também pela forma como é narrativizada. Começando pelo facto de a história nos ser dada a conhecer através dos olhos dos filhos, pessoas novas que cresceram no ocidente, desconhecem por completo os costumes do país de origem da sua mãe. Isto cria todo um acesso facilitado para o espectador ocidental criando tempo e espaço para a introdução e aproximação do espectador aos filhos, e aos poucos a personagem principal, a mãe, vai-se dando a conhecer, e vamos sabendo mais e mais, sobre aquele país, e sobre o que é viver ali.

A história está lá, mas a forma narrativa desenhada entre o realizador Denis Villeneuve e o criador da peça de teatro original Wajdi Mouawad, é de uma delicadeza excepcional. O filme segue um lado de busca pela verdade, algo que nos atira para a narrativa da aventura, mas aqui a aventura não vive dos valores optimistas que nos conduzem à descoberta e conquista, mas antes de grotesco que nos conduz à tragédia. A narrativa por si, trabalha sempre contra nós, ilude-nos, atira-nos ao chão mas vai-nos dando esperança, e quanto mais avançamos mais percebemos, que esperança é algo que aqui não existe.


Finalmente no campo da dramatização temos um trabalho excepcional criado pela tríade mãe e filhos, e pelos povos do país em visita e claramente na direcção dos mesmos. É notável como muito do que nos é dito no filme, é-o sem palavras, mas por expressões faciais simples, que dizem tanto sobre o sentir de cada um. Como um esgar de olhos nos leva por entre as ideias, sem palavras. É o cinema no seu melhor, não dizendo mas mostrando.


PS: O filme estreou em Veneza em 2010, foi nomeado para Melhor Filme Estrangeiro nos Oscars 2011. E foi agora nomeado para Melhor Filme em Lingua Não-Inglesa dos BAFTA 2012, juntamente com Pina (2011) de Wim Wenders e The Skin I Live In (2011) do Almodovar.

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