junho 11, 2013

Criar o próprio emprego, sim ou não?

O que tínhamos, e ainda temos. O que construímos, e estamos em vias de poder vir a construir. Os perigos de antes, e os perigos atuais. Não existem soluções fáceis para a sociedade, a educação e a criatividade vão ajudar, mas só por si não chegam. O empreendedorismo não é o nosso problema, o nosso problema é não conseguirmos trabalhar juntos, em grupo, em comunidade, em colectivo, e em empresa.



Portugal, nos últimos 39 anos
"atitude empreendedora é coisa que não falta por cá" [1] 

Cafés e restaurantes assim como tudo aquilo que rodeia a construção civil nacional, desde empresas de canalização, electricidade, carpintaria, vidrarias, gesso cartonado, etc. etc. Tudo isto é feito por milhares de micro-empresas de 1 a 3 pessoas. Porque as pessoas são empreendedoras, não têm medo de ir à luta? Ou será porque não conseguem trabalhar juntas?

Assisto a isto em Portugal desde que me lembro. As empresas que se vão criando, seja em que área for, acabam por não vingar, porque em vez de se crescer na união, de procurar a inovação com várias cabeças, em pouco tempo temos os melhores dessa empresa a sair para criar a própria empresa. Ou porque são explorados, ou porque não são respeitados, ou porque simplesmente também muitas vezes pensam que sabem mais que todos os outros.
"Consultando as estatísticas, constata-se que temos já uma brutalidade de gente a trabalhar por conta própria ou em empresas familiares – nada menos que 42% de activos empregados em empresas com 9 ou menos trabalhadores. Por comparação, apenas 19% dos trabalhadores alemães e 11% dos americanos laboram em empresas dessa dimensão (..) ao contrário do que se diz, os níveis mais elevados de iniciativa empresarial são registados nos países mais atrasados. O auto-emprego abrange 67% dos activos no Gana e 75% no Bangladesh, mas apenas 7% na Noruega, 8% nos EUA e 9% na França. Mesmo excluindo os camponeses, a probabilidade de alguém ser empresário é duas vezes maior nos países atrasados do que nos desenvolvidos." [1] 
No final, o que temos são montanhas de pequenas empresas, que se desenrascam, mas não produzem qualquer mais-valia. Por serem pequenas também não têm força negocial, seja com clientes, seja com bancos. E ao fim de alguns anos acabam por desaparecer. Na verdade, este não é o padrão de Portugal, não somos especiais. Este é simplesmente o padrão de um país pouco desenvolvido, consequência dos baixíssimos níveis de educação que possui.
"A esmagadora maioria das pessoas dos países ricos emprega-se em organizações que agrupam centenas ou milhares de trabalhadores e jamais sonha criar a sua própria empresa. Isso é excelente, porque pouquíssimos dispõem de vocação ou competência para fazê-lo. Em contrapartida, nos países pobres muitos são forçados a criar o seu próprio negócio para fugirem ao desemprego." [1]
Ainda recentemente via de relance uma reportagem sobre os pequenos barcos de pesca portugueses. Como é possível em 2013 ainda estarmos assim, não evoluímos nada. Quando me vêm dizer que Portugal destruiu a Pesca e a Agricultura por ordens da CEE, só podem estar a brincar. Portugal não destruiu nada, simplesmente o que tínhamos na agricultura e na pesca não era rentável, eram culturas de mera subsistência, dava para as próprias pessoas sobreviverem, mas não dava para comprarem carros, computadores, etc., ou seja crescerem. Os agricultores portugueses trabalhavam em sistemas minifundiários, o que não só dificultava a entrada das máquinas, como impossibilitava criar escala para criar margens para as poderem comprar. Ainda hoje, se quisermos seguir o mantra "comprar nacional", por exemplo no caso da fruta, temos de pagar  quase mais 50% do que quando esta vem de Espanha. Margens é algo que praticamente não existe na nossa agricultura e pescas.

E o problema afunda-se num ciclo vicioso que mantém este tipo de estruturas empresariais, como muito bem destaca o The Atlantic,
"Part of that something else is Portugal's small business culture. As Matt Yglesias of Slate points out, most of southern Europe, Portugal included, suffers from too much corruption and regulation. Businesses choose to stay small, because it makes sense to just deal with people you personally trust when you can't reliably appeal to the authorities sans-kickback. Businesses can stay small, because the laws make it hard to get big and achieve economies-of-scale. It's a mom-and-pop nightmare of low productivity." [2]
Ou seja temos um problema clássico de Justiça, mas temos um problema mais clássico ainda de falta de formação. Quanto mais educado um povo, mais fácil é perceber que o caminho não se faz através da corrupção mas da inovação. É verdade que em vez da CEE ter despejado dinheiro para auto-estradas teria ganho mais em despejar para formação das pessoas. Mas nem isso é verdade, porque nos últimos 20 anos não faltou dinheiro para formação em Portugal. Cresceu que nem cogumelos, com muita gente a ganhar muito dinheiro com tanta formação que no fim de contas veio a ter efeitos muito reduzidos. Aliás em nada diferentes das Novas Oportunidades. O problema aqui é de fundo, estudos feitos nos EUA sobre a certificação de competências feitas mais tarde, depois de desistir da escola, mostram que o impacto na vida das pessoas é extremamente reduzido, praticamente nulo [3].

É no fundo um misto entre aquilo que o The Atlantic aponta, a falta de justiça, e a falta de níveis mais elevados de educação, que impedem que o país progrida, porque também quem o governa e organiza apresenta esta falta de valores e formação. Isso fica bem explícito no exemplo dado por Augusto Mateus a propósito do estudo 25 Anos de Portugal Europeu [9], quando ele compara o investimento realizado em Portugal e na Coreia do Sul, na mesma área. O que é dito aqui a propósito da indústria têxtil poderia ser dito a propósito de quase todo o investimento, desde as linhas loucas para TGVs, às três auto-estradas Lisboa-Porto. Ou ainda aos estádios do Euro, fomos o único país a ter 10 estádios para um Europeu, o que não deixa dúvida sobre o facto de ainda sermos incapazes de nos governar.
“Houve, há uns anos, uma tentativa de revitalizar a indústria têxtil e, juntamente com a Coreia, Portugal pôs de pé um projecto com esse objectivo. No caso da Coreia, decidiu-se focar os apoios numa única região têxtil e apoiaram-se 17 projectos, em Portugal, foram apoiados 2518 projectos.” [9]
Ou seja, o grande problema de Portugal, para mim, continua a ser o mesmo de sempre, por mais voltas que se dê, e mais explicações que tentemos, falta sempre o basilar e que é aquilo que nos distingue verdadeiramente dos países mais desenvolvidos que o nosso, a educação. Uma educação sólida que começa no pré-escola e deve seguir sem desistência possível até ao 12º pelo menos, com especializações técnicas e profissionais para uma parte desses estudantes. Só esse trabalho continuado, pautado por regras, controlo e gestão emocional, gera capacidade para a auto-gestão, e planificação de médio prazo. Sem isso, nunca teremos uma cultura, uma visão do trabalho que opere sobre a mais-valia, e ficaremos sempre pela mera sobrevivência.

Para quem tiver dúvidas, recomendo a análise da Educação (100% população com 12º ano) e da sua correlação com o surgimento global da indústria tecnológica (Samsung, LG, Hyundai, Kia, etc.) na Coreia do Sul nos últimos 30 anos [5].


As indústrias criativas são a solução?

Muitos acreditam que a salvação da Europa, e claro de Portugal passa pelas indústrias criativas. É verdade que são importantes, mas não esquecer que mesmo nos países mais desenvolvidos elas não vão além de 3% a 5% do PIB. É muito, mas está longe de ser a solução para todos os nossos problemas, muito longe. Além disso, com estas indústrias assentes na tecnologia e no know-how do indivíduo a solo, novos problemas surgem no horizonte [4]. No caso português, desde logo as baixíssimas qualificações [5].

Os países mais desenvolvidos já ultrapassaram o estado de industrialização, e agora procuram outras formas, nomeadamente criativas para fazer face aos constrangimentos económicos proporcionados pelas economias emergentes - China e India. Estamos a assistir no mundo desenvolvido a uma destruição das grandes empresas, através do chamado outsourcing. A revolução das tecnologias criativas está a abrir um fosso entre a indústria que tínhamos antes e que permitia a existência de empregos de criativos (veja-se os casos dos Fotógrafos do Chicago Sun-Times, ou dos artistas 3d Indústria dos VFX, ou mesmo aqui em Portugal do Daniel Rodrigues).

Hoje qualquer um pode fazer um filme de grandes efeitos visuais, completo e sozinho no quarto em que a renda é paga pelos pais (veja-se o filme Rosa (2011)). Isto começou por distorcer o mercado das pequenas empresas, mas está agora a chegar às maiores [6]. O que estamos a assistir é a uma radicalização da liberalização do fazer o que se quer, quando se quer, e como se quer. A total elevação do individualismo, em detrimento do sentido colectivo.

Por outro lado, todos estes talentos que se vão afirmando na net, não querem verdadeiramente estar isolados. Estes criativos produzem todos estes trabalhos fantásticos em busca do sonho de um dia poder vir a pertencer a uma grande empresa, a uma grande indústria, de forma a que todo o mundo possa vir a reconhecer o trabalho da equipa. Mas a sociedade, não os entende dessa forma, a sociedade empurra-os mais e mais para esse nicho individualista, na esperança de que se desenrasquem sozinhos sem precisarem de ninguém,
"Governments play up the idea that a digital future creates jobs rather than eats them up. Culturally, there is now a fantasy world of start-ups and blogs and YouTube TV where a very few people manage to make money but most work simply for "experience"." [7]
O dinheiro não desapareceu, simplesmente mudou de mãos. O dinheiro que ia para quem empregava criativos vai agora para a Google, Facebook, etc. Em troca, as pessoas recebem tecnologia para se agilizarem, ferramentas de contacto 24/24, aplicações de Office, de Fotografia, serviços de Hosting, e tudo o mais "aparentemente gratuito". É a publicidade que antes pagava muitos dos empregos criativos, que agora paga a disponibilidade de todas estas tecnologias.
"So Kodak has 140,000 really good middle-class employees, and Instagram has 13 employees, period... There’s not a middle-class hump. It’s an all-or-nothing society.
The whole idea of a job is entirely social construct… The idea of a job is that you can participate in a formal economy even if you’re not a baron… the benefits are really huge, which is you get a middle-class distribution of wealth and clout so the mass of people can outspend the top, and if you don’t have that you can’t really have democracy (..)
So what changed, is that at the turn of the 21st century it was really Sergey Brin at Google who just had the thought of, well, if we give away all the information services, but we make money from advertising, we can make information free and still have capitalism. But the problem with that is it reneges on the social contract where people still participate in the formal economy. And it’s a kind of capitalism that’s totally self-defeating because it’s so narrow. It’s a winner-take-all capitalism that’s not sustaining." [8]
O problema disto está a jusante, quando chegarmos ao ponto de não termos mais sequer pequenas empresas, mas apenas freelancers. Uma pessoa sozinha dificilmente consegue gerar margens para inovar continuamente. Não tem tempo para continuar a aprender. A curto-prazo será ultrapassado por um qualquer miúdo que sai da universidade com novos saberes que o tornam obsoleto. Ou seja, finda a sua utilidade, é jogado no caixote dos irrelevantes da sociedade. Não haverá sociedade, nem estado (subs. desemprego, subs. doença,...) que lhe valha. Dir-lhe-ão que se devia ter mantido atualizado, o que é puro cinismo. As empresas que o contrataram em outsourcing, continuarão business as usual, sugando os novos recrutas que vão chegando, que ainda vivem em casa dos pais, e podem fazer trabalho abaixo do seu custo real.

A ideia de uma sociedade, em que todos fazem o que querem de forma totalmente individual, é uma sociedade sem futuro. Simplesmente porque como indivíduos isolados, não formamos mais uma sociedade, não passamos de um conjunto de nós sem relação, vivendo na incerteza constante do dia seguinte.


Referências

[1] Histórias da carochinha para graúdos, Pinto de Castro, Jornal de Negócios [LINK]
[2] The Mystery of Why Portugal Is So Doomed, in The Atlantic, Junho 2013 [LINK]
[3] How Children Succeed: Grit, Curiosity, and the Hidden Power of Character, Tantor Media, 2012
[4] Creatives after the crash (2013), Betsy Donald et al, Cambridge Journal of Regions, Economy and Society 2013, 6, 3–21 [LINK]
[5] A Educação em Portugal e na Europa, Vitual Illusion, Novembro 2011 [LINK]
[6] Hollywood in decline? US film and television producers beyond the era of fiscal crisis (2013), Susan Christopherson, in Cambridge Journal of Regions, Economy and Society 2013, 6, 141–157 [LINK]
[7] In the digital economy, we'll soon all be working for free – and I refuse, Junho 2013, The Guardian [LINK]
[8] Jaron Lanier: The Internet destroyed the middle class, in Salon, May 2013 [LINK]
[9] 25 Anos de Portugal Europeu, Augusto Mateus, Maio 2013 [LINK] + notícia Público

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