fevereiro 21, 2016

"Meridiano de Sangue"

Tanta análise boa se pode ler por essa imprensa afora a propósito do “Meridiano” e de Cormac McCarthy, só coisas boas, um tanto em antítese a tanta coisa má que ele descreve nas suas obras, porque este é o seu tema, não apenas nesta obra, mas nesta particularmente, o do mal. E do meu lado tenho múltiplos ângulos por onde pegar, mas nenhum deles resulta em algo de bom, já que daqui pouco consegui levar.


Começo com Harold Bloom. O homem que lia 1000 páginas numa hora quando tinha 30 anos, e que é provavelmente o maior responsável por toda adoração que o livro tem recebido nas últimas décadas. Retiro contudo algo de Bloom, é que ele só conseguiu acabar de ler o livro à terceira tentativa. Eu pelo menos cheguei ao final, ainda que com uma pausa pelo meio, mas a minha impressão não deve ser muito diferente da sua, quando na primeira vez parou na página 60. Diz que na segunda tentativa parou pela 140. Fico a pensar, quando acabar a lista de clássicos que me acometi, talvez volte para reler, porque numa coisa Bloom tem razão, talvez a releitura seja mais importante do que a constante leitura de novo.

Sobre o “Meridiano…” nada a apontar à escrita, é simplesmente virtuosa, ao nível de Melville, mas tal como ele, de tanto trabalhar o texto, torna-o denso, escamoso, assumindo um negrume pela inacessibilidade que constantemente cria ao leitor. O Juíz é claramente Moby Dick, e nós leitores, temos de penar páginas e páginas para chegar às suas essências. Em ambos se justifica, o ofuscamento criado pela densidade do texto aproxima-nos da dureza das condições dos marinheiros que atravessam os mares, assim como nos aproxima da dureza das planícies banhadas de sol intenso, áridas e repletas de morte. Penamos, mas não estamos sós, muitos outros como nós, penaram até perderem suas vidas, por isso damos graças ao facto de estarmos apenas perante palavras no papel.

Tenho pena que uma escrita tão repleta, puro barroco, não me toque, logo eu que adoro barroco, mas não é pelo excesso, é simplesmente porque não me fala, não me toca, não me arrepia. Por vezes sentimos, outras vezes não, e isso é difícil de gerir, porque por mais que diga a mim mesmo, “repara no modo como está delineada a frase, como se adensa e se dá”, repara “como a paisagem emerge das palavras, como a forma surge irmanada no sentido de cada palavra” leio e percebo o que tenho na frente, mas não me comove, como se ficasse à porta, impedido de alcançar a beleza em que tantos outros antes de mim tocaram.

Já sobre o tema penso diferentemente, não que alinhe com o interesse que gerou junto de muitos, mas porque simplesmente não o compreendo. Dizer, como diz Bloom, que esta é a "autêntica obra americana", é difícil de engolir. Percebo o fascínio que os americanos têm pelo tema do western, o cinema clássico é disso um bom exemplo, por todo o enaltecimento que a crítica lhe tem dedicado, mas Cormac vai muito para além do western, e podemos até afirmar, que aqui está a essência do western, do tal "apocalipse americano", mas parecendo-me excessivo, é verdadeiramente redutor. É só isto? O mal, o mal puro, sem causa nem culpa? Sabe-me a pouco.

Voltando a Melville, “Moby Dick” leva-nos até essa fronteira, mas tem um objetivo para o fazer, Cormac não. Podem dizer que já não é de romantismo que se fala, mas de pós-modernismo, e aqui a redenção não cabe, foi ultrapassada, já não há esperança, e a única forma de levar o leitor, é atirá-lo pelo precipício abaixo. Pois pode até ser, mas então não sou esse leitor.

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