dezembro 24, 2009

Uncharted 2, o jogo ou filme


Uncharted 2, Among Thieves (2009) representa uma verdadeira aventura fílmica interactiva. A equipa de design estabeleceu como objectivo de partida recriar uma experiência visual ao nível do típico blockbuster de Hollywood, um filme de grande acção no qual o espectador pudesse controlar o personagem principal e participar no desfilar do filme. O objectivo da Naughty Dog foi conseguido, diria que em 90%. Falo do objectivo enunciado, porque como jogo, o portal Metacritic atribui-lhe a marca impressionante de 96 em 100, o que tendo em conta o modo de cálculo realizado pelo Metacritic implica uma maioria de notas máximas atribuídas pelas revistas da especialidade.

Uncharted 2 é uma mistura explosiva entre os elementos narrativos de aventura de Indiana Jones e os elementos de alta acção de filmes como Bourne The Ultimatum (2007). Fornece uma aventura do género "em busca de" e ao mesmo tempo recheia-a de acção electrizante colocando o jogador bem no centro nevrálgico de cada momento climático de explosões, corridas, perseguições e destruições. É um jogo tipicamente masculino, dada a dose de acção que contém, contudo pode facilmente apelar ao feminino pela beleza e detalhe que possui. Alguns excertos de críticas da Metacritic:
"A sumptuous adventure that enthrals from start to finish, a cast that you’ll fall in love with and a tale that’s better scripted, directed and paced than most Hollywood blockbusters." Telegraph (100)

"The spectacular combination of generation-defining visuals, high adventure and cinematic intensity makes Uncharted 2 absolutely essential." Playstation Official Magazine Australia (100)

"Uncharted 2 is a magnificent example of how this generation can infuse movie production quality with enjoyable gameplay and maintain a sense of fluidity throughout the feature presentation." Total Video Games (100)
Vejamos agora em detalhe os elementos do jogo:

a) Forma

a.1. Destaca-se o ambiente pela sua:
- Profundidade de campo, o constante trabalho de layering da focagem da zona de interesse expressivo em profundidade.
- Dimensão e detalhe dos cenários, são verdadeiramente impressionantes, cada zona nova onde chegamos dá vontade de rodar a câmara e apreciar a beleza e a dimensão do que nos rodeia em tempo real. Desde as selvas esverdeadas, ao urbano hiper-destruído, aos Himalaias a perder de vista e as cores vibrantes dos costumes do Tibete.
- A quase ausência de HUD é também muito importante, embora por vezes gostássemos ter um GPS, a experiência é no entanto diferente sem o mesmo.



a.2 Destaca-se a acção pelo:
- Movimento em grande velocidade de toda acção enquanto interagimos com a mesma (ex. cena do comboio, ou a dos saltos entre camiões).
- A imensidão de opções de acção, traduzida por exemplo nos tiroteios que podem ser realizadas a partir de qualquer zona do ambiente, podendo nós rodar e correr em várias direcções em busca do melhor local de tiro.
- Variedade de gameplay com plataformas, puzzles, combate corpo a corpo, stealth, third-person shooter.
- Música contemporânea com cheiro a Hollywood capaz de guiar a dramatização dos cenários e enfatizar as emoções correctas. Uma mistura entre Indiana Jones e 007.


b) Narrativa
Posso dizer que a narrativa de Uncharted2, suporta muito do que temos andado a defender nos últimos anos no modo de construção de uma narrativa mais emocional, contudo alguns dos problemas continuam por cá. Vamos analisar algumas dessas questões e lançar novas interrogações.


b.1 Com vários personagens “amigos” a suportarem o desenvolvimento do protagonista. 
O jogo apresenta cerca de 7 personagens à volta de Drake que se vão revelando ao longo do jogo, como amigos e inimigos, cometendo traições e ajudando-o em outras ocasiões. Todas as desventuras destes personagens ajudam a construir uma imagem da personalidade de Drake a traçar o seu perfil e a criar em nós uma empatia para com o mesmo. Sem dúvida que os personagens são um dos melhores elementos de Uncharted2 e por si só justificam já alguns objectivos conseguidos na arte dos videojogos.

b.2 Enredo rico e complexo o suficiente para manter o nosso interesse ao longo do jogo. 
Julgo que no âmbito da fábula teria sido interessante inserir um pouco mais de background sobre Marco Pólo, mas nada de grave, a viagem pelo Tibete compensa essa falta em certa medida. Em relação aos personagens a narrativa tem uma eficácia menor não por incapacidade intrínseca mas por razões que se prendem com um velho problema dos videojogos a “extensibilidade da experiência”. Ou seja a necessidade de fazer durar a narrativa para aguentar uma experiência maior, mais duradoura, faz com que esta comece a perder o seu potencial, fragmentando o seu poder e perdendo o encanto da coerência progressiva. Ou seja Uncharted 2 é uma experiência de storytelling quasi-perfeita até cerca de 75% do jogo, cerca das 10 horas, a partir daí começa a repetir-se, e começamos a sentir um claro alongar forçado da experiência. O atrasar do objectivo final é conseguido através da inserção de obstáculos e níveis que são desnecessários do ponto de vista da história podendo até gerar no jogador o entusiasmo da continuidade da jogabilidade. Contudo este retardamento que é feito sentir ao espectador não é devidamente recompensado pelo clímax final. Este funciona bem e justifica os tais 75%, mas não suporta os 25% enxertados no final da narrativa.


b.3 Do ponto de vista emocional
Em grande medida podemos ver aqui muitas das receitas de "emotioneering" de David Freeman algumas até algo exageradas pela repetição, nomeadamente os saltos para o precipício salvos in extremis pelo mão do colega que nos salva. Por outro lado a malha de personagens é perfeita e permite desenhar um grande leque de estímulos emocionais em Drake.


b.4 A narrativa desenvolve-se graças a inúmeras cenas não interactivas. 
Começo a indagar-me sobre esta minha fixação e obsessão com a interactividade plena. Pondero e questiono se a inserção de cenas não-interactivas pode ser aceite apenas como mais um elemento do artefacto interactivo. Em lado algum nos é dito que a interactividade tem de ser total, e se pensarmos mais uma vez nas regras de comportamento social muitas são as situações em que temos de nos manter parados, em que não podemos agir ou intervir para alterar o que se nos apresenta (ex. filas de espera, assistir a aulas ou conferências, viajar em transportes públicos). Agora isto também não pode servir como desculpa. Deve continuar-se a trabalhar no sentido de maximizar a interacção contínua, mas acima de tudo que as cenas não interactivas façam sentido, sejam sentidas como necessárias e contribuam efectivamente para a progressão da história assim como do enriquecimento da experiência do jogador. Neste sentido, é exactamente isso que Uncharted 2 faz na grande maioria das cutscenes. Estas servem de ponto de chegada ou partida em cada nó de acção. Servem ainda para introduzir cenas de grande complexidade e acção preparando assim o jogador. Servem para intensificar emocionalmente certas cenas, ao retirar o nosso poder de intervenção e colocando-nos em situações intensas. E servem fortemente para ajudar à progressão da narrativa e na criação desse sentimento no jogador.


Para fechar esta análise alguns detalhes sobre o objecto em concreto: o modo de jogo; a duração e localização; e o HD. Começando pela localização, esta é terrível, fiquei chocado. Tenho a dizer que esta é uma opinião formada apesar de ter iniciado o jogo na versão portuguesa. E isto quer dizer que por norma a primeira versão que vemos (ouvimos) torna-se naturalmente a preferida, tenho experiência disto com o cinema visto em Espanhol e Francês dobrado. A consola fez a escolha e joguei vários capítulos em Português. Até que fui rever alguns trailers e me pareceu que os personagens falavam num tom mais dramático dando uma maior profundidade à história e atmosfera. Foi então que passei para inglês e vi a grande diferença. Sinceramente não consigo perceber, apesar de existir uma clara vontade de ter um Drake bem-humorado “à la” Indiana Jones, não quer dizer que ele se torne num Conan O’Brian. E as personagens femininas perderam toda e qualquer sensualidade na voz o que altera e muito a narrativa, uma vez que elas representam a parte mais íntima da personalidade de Drake.


Sobre a duração e o modo de jogo. O jogo tem entre 13 a 15 horas dependendo da forma e do modo como se joga. O jogo é-nos apresentado com cinco modos possíveis: muito fácil, fácil, normal, difícil e hard-core. Esta é para mim uma decisão sempre difícil quando inicio um jogo. Por um lado a vontade de jogar sem perder demasiado tempo e sem ter de andar sempre em busca de dicas na Web. Mas por outro lado saber que se corre o risco de não aproveitar o jogo na sua integralidade, como por exemplo no nível de AI dos oponentes. Optei então pela 2ª opção, fácil, que o que faz é acima de tudo diminuir a duração dos combates, número de oponentes e activa um modo de dicas ao longo do jogo que nos vai fornecendo pistas sempre que o sistema detecta que estamos há demasiado tempo no mesmo local. Assim posso dizer que o modo “fácil” foi uma boa experiência, porque continuamos a ter bons níveis de AI, mas os personagens mais difíceis não precisam de horas infinitas para serem derrotados, assim como as dicas disponibilizadas em certos puzzles, e porque só disponibilizadas depois de várias tentativas falhadas da nossa parte, evitaram por completo a necessidade de walktroughs ou cheats.

Sobre a questão do HD, comecei por jogar numa TV standard de 32' e poucos níveis depois passei para uma 40' Full HD, a diferença é verdadeiramente impressionante. Só posso dizer que este jogo não pode ou não deve ser jogado em resolução standard (720x576). Perde-se toda uma riqueza de detalhe que potencia o nosso envolvimento e fica-se claramente a perder na experiência. Já agora o jogo é apenas 720p (1280X720) ou seja, não precisam de uma televisão Full HD, o simples HD Ready é suficiente.

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