janeiro 26, 2011

Porque o 3D não Funciona

Depois de já ter aqui enunciado os problemas estéticos, de ter falado da ausência de profundidade de campo, por detrás do 3D que a indústria habilmente nos tem vendido, trago aqui agora uma explicação sobre os problemas perceptivos desta tecnologia. A explicação é dada por Walter Murch, um dos mais importantes editores de cinema vivos.
Podem saber mais sobre Walter Murch na wikipedia ou IMDB, mas se quiserem realmente perceber porque acredito no que ele diz leiam, In the Blink of an Eye (1995). Nesta obra poderão ter acesso ao profundo conhecimento que Murch tem dos processos cognitivos do receptor face a uma obra fílmica e ficar a perceber melhor como funciona o nosso sistema perceptivo em face do ecrã.
De forma resumida o que Murch nos diz é que o nosso aparelho visual não está preparado para ver este tipo de imagens. Ou seja imagens que exigem que os nossos olhos "foquem" num ponto diferente do ponto em que estão a realizar a "convergência".

Imagem de Tai Shimizu

O mundo real não funciona dessa forma, e por isso o nosso olho enquanto sistema natural não tem forma de dar resposta ao que lhe está a ser exigido. Isto não é uma descoberta de Murch, as imagens que aqui coloco possuem links para ensaios e discussões exactamente em redor desta questão.


E isto explica os problemas de mau-estar reportado por algumas pessoas, mas explica também problemas que existem e que não se resolvem com o melhorar da tecnologia. Aliás se assim fosse em 50 anos já o teríamos resolvido. Do ponto de vista estético o filme sofre porque é obrigado a mostrar muito mais daquilo que está na tela sempre focado, tornando a imagem mais escura, pequena, plana, e ao mesmo tempo reduzindo a capacidade expressiva dos enquadramentos.
Esta explicação de Murch foi enviada como carta ao Roger Ebert que fez o favor de a publicar no seu blog. Espero que depois de lerem estes argumentos percebam melhor porque tantos de nós se opõem ao cinema 3D, ou estereoscópico.

Hello Roger,

I read your review of "Green Hornet" and though I haven't seen the film, I agree with your comments about 3D.

The 3D image is dark, as you mentioned (about a camera stop darker) and small. Somehow the glasses "gather in" the image -- even on a huge Imax screen -- and make it seem half the scope of the same image when looked at without the glasses.

I edited one 3D film back in the 1980's -- "Captain Eo" -- and also noticed that horizontal movement will strobe much sooner in 3D than it does in 2D. This was true then, and it is still true now. It has something to do with the amount of brain power dedicated to studying the edges of things. The more conscious we are of edges, the earlier strobing kicks in.

The biggest problem with 3D, though, is the "convergence/focus" issue. A couple of the other issues -- darkness and "smallness" -- are at least theoretically solvable. But the deeper problem is that the audience must focus their eyes at the plane of the screen -- say it is 80 feet away. This is constant no matter what.

But their eyes must converge at perhaps 10 feet away, then 60 feet, then 120 feet, and so on, depending on what the illusion is. So 3D films require us to focus at one distance and converge at another. And 600 million years of evolution has never presented this problem before. All living things with eyes have always focussed and converged at the same point.

If we look at the salt shaker on the table, close to us, we focus at six feet and our eyeballs converge (tilt in) at six feet. Imagine the base of a triangle between your eyes and the apex of the triangle resting on the thing you are looking at. But then look out the window and you focus at sixty feet and converge also at sixty feet. That imaginary triangle has now "opened up" so that your lines of sight are almost -- almost -- parallel to each other.



We can do this. 3D films would not work if we couldn't. But it is like tapping your head and rubbing your stomach at the same time, difficult. So the "CPU" of our perceptual brain has to work extra hard, which is why after 20 minutes or so many people get headaches. They are doing something that 600 million years of evolution never prepared them for. This is a deep problem, which no amount of technical tweaking can fix. Nothing will fix it short of producing true "holographic" images.

Consequently, the editing of 3D films cannot be as rapid as for 2D films, because of this shifting of convergence: it takes a number of milliseconds for the brain/eye to "get" what the space of each shot is and adjust.

And lastly, the question of immersion. 3D films remind the audience that they are in a certain "perspective" relationship to the image. It is almost a Brechtian trick. Whereas if the film story has really gripped an audience they are "in" the picture in a kind of dreamlike "spaceless" space. So a good story will give you more dimensionality than you can ever cope with.

So: dark, small, stroby, headache inducing, alienating. And expensive. The question is: how long will it take people to realize and get fed up?

All best wishes,

Walter Murch*



* Carta de Walter Murch reproduzida a partir do blog de Roger Ebert. As imagens embebidas na carta foram produzidas por Marie Haws, e retiradas do mesmo blog.

11 comentários:

  1. [irony]Os CD não prestam, porque o som não é tão quente, não é tão envolvente. O MP3 nunca será popular porque tem muito pior qualidade do que os CD.[/irony].

    Ah, ou... "as K7 e os não afectarão as salas, porque as pessoas preferem ver cinema no cinema"... Pois. Não escavacam as salas todas, mas escavaram muitas.

    Argumentos válidos, mas desconfio que sofrem de um problema: têm de ignorar que:
    - milhões de pessoas têm ido ver, mais que uma vez, filmes 3D de horas, não de minutos, sem sofrimentos desmesurados;
    -é muito fácil para a maior parte das pessoas coçar a barriga com uma mão e dar palmadinhas na cabeça com a outra ao mesmo tempo.

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  2. Resposta a esse senhor:

    http://cineform.blogspot.com/2011/01/another-overstatement-that-3d-wont-work.html

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  3. @ Leonel a diferença entre o 3D e todas essas outras tecnologias é que não andaram 50 anos a tentar impor-se.

    Mas é esperar para ver. Todas as tabelas mostram o declínio do número de entradas nos filmes 3D. A industria continua a assobiar para o lado dizendo que o box-office subiu este ano, só não diz que subiu em valor e não em nº de entradas. É que um bilhete 3D custa mais 20% a 30%.

    @Pina
    Sim claro, desde que o Murch mandou a carta ao Ebert não têm parado de surgir contestação à teorização.
    Ver mais aqui: http://www.slate.com/id/2282376/

    A verdade é que ficam-se por isso pelo rebater das ideias, não apresentando qualquer explicação dos problemas que decorrem do 3D. Então afinal eles vêem de onde, do espaço?


    Aqui fica o post do João Lopes
    http://sound--vision.blogspot.com/2011/01/walter-murch-porque-o-3d-nao-funciona.html

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  4. E antes que perguntem aonde fui buscar a ideia do declínio fica aqui o link para o gráfico: http://www.thewrap.com/movies/column-post/rise-and-fall-3d-19407

    Mas se quiserem uma análise de ambos os lados das barricadas, em extensão e profundidade, leiam os ensaios da Kristin Thompson aqui

    Has 3D Already Failed? The sequel, part one: RealDlighted
    http://www.davidbordwell.net/blog/?p=11909

    Has 3D already failed? The sequel, part 2: RealDsgusted
    http://www.davidbordwell.net/blog/?p=11929

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  5. Vou ver estes links então.
    Já agora é interessante saber que quem quiser ver um filme 3D em 2D basta agarrar em 2 pares de óculos, recortar a lente esq de um e colocar no lado dto do outro.
    Voilá :)

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  6. Só uma nota: a o 3D não anda por aí há 50 anos. Houve umas experiências antigas com filtros de cor, que funcionavam muito mal (dependiam de muitas variáveis técnicas) e estragavam bastante... logicamente, desapareceu o 3D. Regressou há 1 ou 2 anos, com uma tecnologia que funciona.

    O único problema que tenho com a maior parte da crítica do 3D actual é que está sobrecarregada de "wishful thinking": não me parece isenta, parece-me que um desejo oculto do fracasso do 3D a perpassa, e as falácias técnicas, factuais e lógicas que se encontram nas críticas demonstram-no. Como o facto de no final desses links se dizer que há um filme 3D onde o efeito vale a pena. Uhm.....?

    Já agora, googla isto: "The point is that color was still new and glamorous enough in the 50s, 60s and 70s that a director was unlikely to choose black-and-white to make an artful statement".

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  7. Leonel essa história que contas do 3D é o que a industria quer que o pessoal pense que aconteceu. Mas a verdade é bem diferente.

    O que temos agora é o que sempre tivemos, imagem estereoscópica. Ou seja uma mesma imagem com diferentes ângulos para cada olho para poder criar o tal efeito de convergência em diferentes pontos de distância.

    A forma como se consegue fazer isto tem variado mas não assim tanto. A técnica mais conhecida usava a projecção de imagens sem vermelhos ou sem azuis, os óculos de cores faziam o resto. Era bom porque era o mais fácil de fabricar tecnicamente. Mas mau porque distorcia as cores da imagem

    Mas a técnica de que se fala agora a os filtros de polarização da luz já foram inventados nos anos 30 por um dos criadores do sistema de fotografia Polaroid. O problema é que era um sistema mais caro ao nivel da projecção, o que não quer dizer que não tenha sido bastante utilizada, nomeadamente em salas de qualidade nos EUA.

    Ainda assim tens alguma razão na novidade, é que a polarização que temos agora deixou de ser feita em ondas Verticais Vs. Horizontais.
    A Real3D criou uma forma de projectar em ondas circulares, de um lado roda para os ponteiros do relógio, do outro roda em inverso. Isso ajudou a suavizar muitos dos problemas do 3d.

    Ainda assim os problemas não desapareceram por completo. No meu caso particular não me queixo de dores ou mal estar, mas conheço muito boa gente que se queixa. Para além dos problemas de mal-estar reportados, em princípio por uma minoria, temos a questão dos óculos. Queiramos ou não são um terrível incomodo para dois públicos específicos: crianças e quem já usa óculos. As crianças ficam impacientes com os óculos e passam por vezes bons bocados sem os mesmo postos, o que digamos para uma experiência que custa bem caro não é lá muito proveitoso. São várias as pessoas que conheço que deixaram de ir ao cinema com os filhos pequenos ver as animações que só passam em 3D.

    (continua)

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  8. (continuação)

    Mas indo ao coração da questão. Vi Avatar com mais de 2 horas sem sentir qualquer cansaço, e fiquei surpreendido por isso. Mas visualmente a experiência alterou-se, e em minha opinião nessa altura pensei que para pior. Podemos dizer que estamos a aprender a controlar a tecnologia, mas não é verdade. Os princípios que estão aqui em questão existem há muito, muito tempo. Sabemos perfeitamente o que é possível fazer.
    Digo pior porque a minha maior memória de ver Avatar é que parecia que tinham afunilado o espaço da cena. Ou seja o efeito 3D cria uma sensação de que as coisas se passam todas ao centro do ecrã, puxando constantemente os nossos olhos para esse centro deixando pouco espaço para passearmos pelo resto da imagem. Falei nisso na altura. Fiquei desiludido porque andámos a criar o efeito de alargamento da imagem, o Cinemascope, para este se aproximar mais do facto de termos os olhos na horizontal e agora estávamos a regredir. E isto está relacionado com a questão de Murch sobre o tempo que demoramos a processar a focagem e a convergência em sítios diferentes. Digam o que quiserem, o efeito separado pode não fazer-nos qualquer mal, mas não quer dizer que o nosso cérebro não demore mais a processar o que está a ver e isso não crie diferenças no modo como vemos uma imagem 3D e uma 2D.

    Mas depois vem a grande questão, é que não vi em Avatar, apesar de ser etiquetado como filme que melhor uso do 3d fez até agora, de que modo o filme ganha com "a sensação 3d". Vi o filme no cinema em 3D e depois vi em casa em Blu-ray e fiquei pasmo. Sabem porquê? Porque não vi absolutamente diferença nenhuma. É isso, nem pior nem melhor. Não vi o afunilamento que vi no cinema, mas isso não melhorou a minha experiência do filme em 2D. O que vi foi tal e qual o que me recordava.

    Deste modo sinto-me com todo o direito de reclamar, e de dizer que quero ter opção. Queria ter visto Toy Story 3 no cinema em 2D e não me deram a opção. Fui "obrigado" a ver em 3D. Mais uma vez, quando visto em casa em Blu-ray e os miúdos já o viram por aqui mais de 20 vezes, não vejo absolutamente nada que lhe falte daquilo que vi na sala.

    Ou seja e para fechar que isto vai longuíssimo, estou de acordo com a exploração das tecnologias 3D, sempre estive, temos usado isso desde há muitos anos nas nossas experiências de Realidade Virtual. Mas uma coisa é em usar aquilo para pequenos projectos com projecções que procuram explorar a percepção do utilizador em ambientes de laboratório com tudo muito controlado. Outra coisa é usar isto em ambientes de massas e para apenas contar uma história do mesmo modo que o cinema sempre tem efeito, ou seja servindo a tecnologia apenas de mero adereço, não tendo qualquer propósito.

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  9. @Leonel
    "The point is that color was still new and glamorous enough in the 50s, 60s and 70s that a director was unlikely to choose black-and-white to make an artful statement"

    Fui ver isto em http://www.criticism.com/md/film2.html.

    Pensei que era um artigo sobre os problemas da introdução da cor, mas não tem nada a ver com isso. O artigo fala do potencial expressivo da cor, dos diferentes modos como foi usada e como foi introduzida na relação com o preto e branco.

    Mas já agora e comparando Cor e 3D. À partida parece que estamos a comparar o mesmo, mas é bem diferente, explico.
    A cor faz parte da nossa realidade, como tal um filme a preto e branco é algo estranho à nossa realidade e por isso a evitar quando queremos falar do quotidiano.
    No caso do 3D, o conceito ou a ideia subjacente ao mesmo, é tal como a cor mais próximo da realidade. O problema é que aquilo que temos neste momento não é nenhum 3D, mas é apenas um efeito estereoscópico. Ou seja quando estamos numa sala com um filme em 3D, não estamos mais perto da realidade. Ou seja o filme continua lá longe na parede do fundo e a restante sala na penumbra. Para isto se parecer com a tal ideia de 3D e mais próximo da realidade, era preciso que o filme se desse dentro do espaço da sala, e não em uma parede. Mas sobre isto já falei bastante e expliquei aqui no blog a questão do ESPAÇO, PERSPECTIVA, no fundo tudo isto não passa de um fake 3D. Para perceberem melhor isto vejam o post exactamente sobre isto aqui:

    http://virtual-illusion.blogspot.com/2010/10/espaco-3-d-um-nao-espaco.html

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  10. "Consequently, the editing of 3D films cannot be as rapid as for 2D films, because of this shifting of convergence: it takes a number of milliseconds for the brain/eye to "get" what the space of each shot is and adjust."

    Isto é genial! Fica então provado que o media perfeito para demonstrar a pontencialidade do cinema em 3D não são os Blockbusters de Verão mas sim as Comédias Românticas.

    Ummm.... Isto pede claramente planos perfeitos da Anne Hathaway em 3D para provar esta teoria.

    Talvez num futuro possamos ter o Cinema em 3D no mainstream e os Transformers & Companhia relegados para salas tipo Nimas.

    Could be a good thing!

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