setembro 06, 2017

O Verão Antes das Trevas (1973)

Foi o primeiro livro de Lessing que li, depois de ter procurado durante algum tempo por onde começar a ler a autora. As recomendações apontam quase exclusivamente numa direção, “The Golden Notebook” (1962), mas do que ia lendo sobre a obra, ia-me afastando cada vez mais, o que me fez procurar outras obras. O que se seguia era a série de cinco livros, ainda dos anos 1950 e 60, “Children of Violence”, mas não me apetecia iniciar uma série de uma autora que desconhecia, não sendo sequer os livros facilmente acessíveis. Assim cheguei a “O Verão Antes das Trevas”, vinha bem recomendado, e atacava um tópico que me interessava no momento, a crise da meia-idade.


“O Verão Antes das Trevas” coloca-nos na figura de espetador de um Verão na vida de Kate Brown. Mulher inglesa, proveniente de famílias abastadas com raízes em Portugal, casada com um médico bem sucedido, 4 filhos, governanta de uma casa nos subúrbios de Londres, cerca de 45 anos. Neste Verão, Kate será convidada a participar num trabalho de tradução simultânea para um grupo de trabalho internacional em Londres, devido à sua fluência em línguas, particularmente o português, enquanto toda a restante família parte de férias. Sozinha, sem ninguém dependente dela, inicia-se o confronto consigo mesma.
“All those years were now seeming like a betrayal of what she really was. While her body, her needs, her emotions–all of herself–had been turning like a sunflower after one man, all that time she had been holding in her hands something else, the something precious, offering it in vain to her husband, to her children, to everyone she knew–but it had never been taken, had not been noticed. But this thing she had offered, without knowing she was doing it, which had been ignored by herself and by everyone else, was what was real in her.” Excerto da versão original (p. 140).
A escrita de Lessing é perfeita, tal como a estrutura narrativa e a história. Lessing sabe cativar o leitor, apresentar os factos, lançar os eventos, e gerar conflitos, tudo isto é envolvido numa escrita direta que cria proximidade. A história é dotada de todos os ingredientes a que se propõe, levando o leitor pela mão ao longo de todo o percurso. Em parte, tudo é demasiado perfeito. Não raras vezes consegue sentir-se por detrás das linhas, Lessing a coser a obra, a dirigir os cordelinhos da narrativa e história, para nos conduzir, para nos falar ao ouvido, aquilo que verdadeiramente lhe interessa. Não posso dizer que não tenha sentido genuinidade, mas senti por vezes que Lessing estava muito mais interessada no que tinha para dizer, do que na obra que pretendia criar para o expressar.

Isto não será alheio ao facto de que muito do que se vai discutindo ao longo das páginas estar ligado a um mundo teórico defendido pela autora, do feminismo à psicanálise, passando pelo marxismo, um trio de conceitos académicos muito em voga à época da escrita do livro, os anos 1970. No entanto, Lessing tinha nesta altura já passado por dois casamentos falhados, abandonado dois filhos pequenos no continente Africano, e criado um terceiro até à idade adulta em Inglaterra, o que não deixa de lhe oferecer uma perspectiva prática imensamente rica.

Ou seja, a narração é credível, sente-se que a voz que fala conhece bem os cantos interiores do sentimento naquelas circunstâncias, mas sente-se também a ânsia da autora por transmitir os seus ideais sobre esse mundo. Ainda que no final as questões fiquem em aberto, não exista uma estrada indicada, apenas as questões ficam, cabendo a cada um encontrar-se no meio da sua própria identidade, a meio da idade.

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