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março 26, 2017

Montagem, literal, de significados

Podia ser apenas mais uma animação a tentar dar vida a uma das telas do grande cânone ocidental da pintura. Podia ser apenas mais uma obra a relevar-se por conta do peso da obra trabalhada, "A Última Ceia" (1498) de Leonardo Da Vinci. Mas, "The Da Vinci Time Code" (2009) é algo diferente, a tela representada serve realmente de atrativo geral, mas o que verdadeiramente conta é a técnica, não per se, mas pelo modo como se torna expressiva.


O criador, Gil Alkabetz (1957), é professor na Filmuniversität Babelsberg Konrad Wolf (Alemanha), mas é antes disso alumni da Bezalel Academy of Art and Design (Israel), uma escola de referência no mundo da animação e que já aqui mencionei várias vezes. O design de som e música são de Alexander Zlamal, parte fundamental na edificação das ideias de Alkabetz para o modo audiovisual. Por fim, o interesse geral em redor da animação advém da potencial descoberta de novas interpretações sobre uma das obras de arte mais ultra-interpretadas da história, sendo a própria sinopse do filme a indicar isso mesmo:
"In the film “The Da Vinci Time Code” one picture is taken apart in order to create an animated film from its fragments. Different parts of this one picture, based on similar forms, allow us to discover secret movements.The people in the picture eat, dance, discuss and argue, until finally all are silenced."
Contudo, o que mais surpreende não é, de todo, o que se descobre, o que de novo se interpreta, mas antes o método que nos abre o acesso a essas novas significações. Alkabetz retalha a "A Última Ceia" em pequenas partes, coloca-as em movimento, e utiliza a técnica de montagem audiovisual para dar a ver novos mundos dentro da grande representação estática pintada. É isto que impressiona, a elevação no uso das diferentes técnicas, sem qualquer objetivo virtuoso, mas apenas em nome da expressividade, criando sentidos novos a partir de movimentos imaginados sobre elementos estáticos. O trabalho realizado assenta numa lógica de repetição e ritmo intenso que iniciando-se como mero atributo estético, imprimindo sensações no espectador, vai aos poucos ganhando forma própria, criando um mundo próprio a ponto de começar a produzir os seus próprios significados. "A Última Ceia" ganha assim uma completa nova dimensão, como que insuflada de nova atmosfera, produzida a partir de simples movimento visual e a adição de um ligeiro substrato sonoro.


"The Da Vinci Time Code", (2009), Gil Alkabetz

maio 17, 2014

O longo jogo do génio

Trago uma nova série de filmes web criada por Adam Westbrook, relativamente conhecido pelo seu trabalho à volta do storytelling digital. Neste seu novo projecto, Delve Video Essays, Westbrook faz uma abordagem assente no formato de ensaio audiovisual, o que é por si só motivo de análise e exploração.



Para avançar com este projecto Westbrook escreveu um manifesto que me parece relevante ser lido, vindo de alguém que tem refletido bastante sobre o storytelling e a publicação online. Retiro do mesmo quatro pontos que levaram Westbrook a avançar com Delve.
1 - “serendipity is magical and it's something the Internet can't replicate so easily. All the knowledge is there - but it's built to be easily found if you know what you're looking for.”

2 - “The knowledge is all there, accumulated over 13,000 years of civilisation but it feels locked away somehow, as if it's out of reach. It's trapped behind glass etched with the dreaded word "boring".”

3 - “’people get the mind and quality of brain that they deserve through their actions in life’ (Robert Greene)… If you choose to use your free time to play Candy Crush Saga, watch Friends re-runs and read Buzzfeed, you will get the mind that comes from that. But if you choose to push your brain, to make it work hard, to keep learning new things, to read difficult books, to consider challenging ideas then, like the muscles on your body, it grows stronger and more connective… But it's much more rewarding to read Buzzfeed.”

4 - “I'd like you to meet delve - it's a web video channel I'm building for people who want to take their learning seriously. It's not a course, or a qualification, and it's not for people who want to study something particular. It's for people who love learning for the sake of learning, who want to feed their mind the most beautiful and unexpected feasts.”
Apresentado o Delve vejamos o que nos trazem os dois primeiros trabalhos, que formam apenas um em duas partes, “The Long Game” (2014). O tema de fundo não passa ao lado de todos aqueles que se interessam pelos processos criativos, pela mestria, um tema que se tornou mais relevante nos últimos anos com a discussão em redor das comunidades e indústrias criativas.

"The Long Game Part 1" (2014) Adam Westbrook

Assim o substrato diz respeito ao processo demorado da criação do génio. Westbrook explora o exemplo de Leonardo Da Vinci, considerado um dos mais relevantes criativos da nossa história, desmontando o seu surgimento, génio e talento. Todos sabemos que o processo de transformação de um criativo é um processo lento, mas saber que Leonardo levou 16 anos a conseguir atingir o seu auge, ajuda-nos a questionar muitas das ideias feitas que temos sobre os iluminados, os chamados “outliers”. Essencialmente este dois curtos ensaios audiovisuais servem para nos alertar para um discurso de facilitismo surgido no século XX e que procurou vender a juventude, com todas as suas propriedades, como a essência da vida e do talento, quando apenas o tempo e a experiência podem conduzir à qualidade, ao génio.

"The Long Game Part 2" (2014) Adam Westbrook


Links de interesse
Talento é Sobrestimado, in Virtual Illusion
Processo criativo, dos 2 aos 25 anos, in Virtual Illusion
Outliers de Malcom Gladwell, in Virtual Illusion

março 30, 2014

"Assassin’s Creed II" (2009)

Comprei "Assassin’s Creed II" (ACII) alguns meses depois de ter saído, na sua edição Game Of The Year (GOTY), e ao longo dos últimos quatro anos fui jogando ao ritmo de uma Sequência (capítulo) por ano. Por se tratar de um "mundo aberto" acabava sempre por me perder pela imensidão do jogo sem nunca avançar muito. Esta última vez decidi que o queria terminar, mas nada me tinha preparado para o que iria acontecer depois de chegar a Veneza. Fiquei completamente apanhado, passei um fim-de-semana quase completo de volta do jogo, e nos dias da semana que se seguiu, não via a hora de chegar a noite, para poder deitar os miúdos, sentar-me no sofá, e viajar até à Renascença.



A partir do momento em que passamos a dominar as lógicas da economia e das viagens rápidas entre cidades, o jogo ganha toda  uma nova dimensão que facilita a progressão e o fluxo narrativo. O facto de o design assentar numa lógica de mundo aberto, do tipo "Grand Theft Auto", funciona muito bem, potenciando uma imensidade de possibilidades de jogabilidade que um design linear não consegue criar. Por outro lado o facto de ser tão aberto, dá-se menos às lógicas de afunilamento próprio da estrutura narrativa, tendendo a alongar-se. Nesse sentido acabei por ficar com pena de ter comprado a edição GOTY, já que essa traz os dois DLCs que correspondem às Sequências 12 e 13 que não estavam no jogo original. Isto porque no original o jogo salta da memória 11 para a 14, sendo explicado que as memórias 12 e 13 se danificaram e não podem ser acedidas. Na verdade quando chegamos ao final da sequência 11 percebemos que o final está mesmo ali a um passo, e por isso ter de fazer a sequência 12 e 13 acaba por se sentir como uma extensão narrativa por via da mera repetição. São quatro horas que se adicionam ao jogo, mas adicionam pouco à história.

O melhor de ACII acaba por ser inevitavelmente a apropriação histórica dos locais, personagens e acontecimentos do período da Renascença italiana. Podemos visitar as cidades de Florença, Veneza, Roma e as regiões de Forli e Toscana nos anos 1500. Não se trata de uma mera representação da Renascença, mas uma simulação fruto de imensa pesquisa histórica por parte dos autores, de imensas viagens aos locais reais por parte dos artistas, tudo apoiado por académicos, especializados no período histórico da Renascença. Cada local destas cidades que visitamos, permite-nos aceder a uma área específica de informação real sobre o monumento em questão, a sua história e alguns eventos mais marcantes aí realizados. Podemos praticamente fazer turismo em ACII, porque os edifícios estão mesmo ali, assumem toda a magnitude que possuem na realidade, devido ao excelente trabalho de simulação 3d realizado. De cada vez que subimos a uma torre para realizar a sincronização de um “viewpoint” a impressão visual do espaço histórico é extasiante. A visão do espaço associada ao “leap of faith” que podemos fazer do alto para os pequenos montes de palha, ou para água, fazem destes simples “viewpoints” uma das mais estimulantes gratificações do jogo. As cidades de Veneza e Florença são deslumbrantes, assim como as áreas abertas da Toscana e Forli nos ajudam a respirar e nos impelem a viajar dentro do jogo. Para contribuir para uma apropriação mais fidedigna, nessas viagens não usamos dinheiro atual mas florins, a moeda emitida pelos poderosos bancos de Florença na Renascença, dominados pelos Pazzi e depois pelos Medici.

"Leap of faith" realizado para a água em Veneza

O detalhe da animação e da roupa em movimento.

No caso das personagens, podemos dialogar com uma imensidade destas baseadas em pessoas reais da Renascença tais como Leonardo Da Vinci, Lorenzo di Medici, Caterina Sforza, Rodrigo Borgia, Nicolau Maquiavel, entre outros. Do mesmo modo alguns dos eventos e assassinatos são baseados em factos reais, tais como a rivalidade entre os Medici e os Pazzi, a fogueira das vaidades de Savonarola, o Carnaval de Veneza, e muito daquilo que diz respeito aos Borgia, os mesmos que em 2011 se tornariam personagens centrais de uma série de televisão de enorme sucesso. A contribuir para que os personagens sejam ainda mais salientes no universo do jogo está todo o cuidado com a sua ilustração e animação. As roupas e os movimentos condizem com cada classe da sociedade, e no caso de Ezio o design dos seus movimentos são extremamente graciosos, muito ajudados pela roupa cheia de folhos que carrega e que cria uma noção do movimento muito mais completa.

Carnevale de Veneza

Conspiração dos Pazzi para assasinar os Medici

Rodrigo Borgia

Por isso quando falo em viajar no tempo até à Renascença italiana digo-o com uma convicção que é conferida por toda a qualidade artística do jogo, e as suas possibilidades de interacção. ACII é muito mais do que um rol de assassinatos, é uma aula interactiva de história capaz de enriquecer os nossos horizontes. Neste campo só gostava que as lojas de arte tivessem muito mais quadros para adquirirmos Julgo que não houve o devido cuidado com esta parte. Nas armas temos várias dezenas, enquanto os quadros não chegam à dezena. Tendo em conta que falamos de um dos períodos da história de arte mais relevantes, teria sido interessante trabalhar este domínio com mais cuidado.

Em termos de design ACII enfrenta os problemas tipo dos jogos abertos, a enormidade do espaço que complexifica e retarda a realização de acções, e ainda a narrativa difusa. Apesar disso foi conseguido um bom equilíbrio, o facto de existirem formas rápidas de realizar as viagens entre as cidades, minimiza muitos problemas. Os mapas detalhados permitem também aproveitar os espaços em que estamos para realizar várias tarefas antes de embarcar logo para a missão seguinte mais distante. Existem além das missões das sequências, várias outras tarefas que nos mantêm motivados como: renovar a vila de Ezio; adquirir armas, armaduras, tecidos e quadros; encontrar as páginas do codex de Da Vinci importantes para aceder ao final do jogo; subir aos viewpoints para poder ter mapas mais detalhados; realizar assaltos a túmulos que não são mais do que enormes puzzles espaciais, complexos mas bastante gratificantes; encontrar glyphs que abrem para puzzles visuais que contribuem para o desenvolvimento da narrativa de Desmond; e ainda actividades como entregas de correio, corridas, apanhar criminosos, etc. Uma grande parte destas atividades são opcionais, outras obrigatórias, mas a forma como se entrelaçam no design de jogo e da narrativa levam-nas a querer realizar várias, contribuindo para um balanceamento entre o "mundo aberto" e as acções que podemos ir fazendo ao nosso ritmo.

Um dos problemas clássicos do design e narrativa, surge no desenho RPG de Ezio, porque se é verdade que podemos trabalhar para tornar o nosso personagem mais ágil, astuto e eficiente, assim como podemos adquirir armas e armaduras mais poderosas, os nossos adversários também se vão tornando cada vez mais difíceis. Se isto faz sentido em termos de progressão de jogo, não o faz narrativamente, já que o meu personagem acaba por não se tornar verdadeiramente mais forte, ou seja mais temido pelos outros. No fundo a progressão do meu personagem acaba por ser algo ilusória, ou seja acontece mais ao nível da caracterização, enquanto as suas acções de fundo, no mundo de jogo, se transformam muito pouco.

No final julgo que ACII acaba sendo o melhor trabalho da série, muito por causa da simulação histórica, e da forma como aproveita essa simulação para desenvolver o jogo e a narrativa. Também porque a história de Desmond, que gera o arco que envolve toda a série, é um tanto rebuscada, uma colagem de pequenos elementos conspirativos sobre ideias já um tanto gastas da ficção científica e dos romances históricos, resultando em algo pouco interessante. Ezio é a personagem que nos importa, e tudo o que envolve.

outubro 28, 2012

jogo BBC Leonardo

A BBC resolveu produzir a segunda temporada da sua série, Leonardo (2011-2012), para crianças sobre as aventuras de Leonardo da Vinci em Florença e para a sua promoção criou um jogo web. Atraiu-me o facto de fazerem um jogo para promover a série, mas no final acabei por me deslumbrar com a arte de Lois van Baarle de quem ainda há pouco tempo aqui falei.

"the series follows the adventures of the teenage Leonardo da Vinci and his friends in 15th century Florence"

O jogo em si, apesar de ser para crianças limita-se ao básico, corridas num trilho. A variação da perseguição acontece por via do meio de transporte utilizado - moto, submarino, asas e tanque. A ideia até está engraçada, nomeadamente com o facto de a cada corrida conseguirmos instrumentos para construir a próxima invenção de Da Vinci, mas acaba por falhar no modo como estrutura o propósito das corridas, e pior ainda no modo como nos conduz no puzzle de construção de cada máquina. As peças são jogadas para ali e não existe qualquer elemento que permita aferir lógica na construção nem sentir que estamos a progredir. Ou seja, torna-se numa experiência de pura tentativa e erro, perdendo todo o sentido de jogo.




Apesar de tudo a arte de Lois salva o jogo. Toda a história é contada em belíssimas ilustrações 2d criadas por Lois, sendo apenas as corridas realizadas em ambientes 3d de muito menor interesse visual. O jogo é um bom exemplo do que não deve ser feito em termos de design de jogo, por outro lado não posso deixar de enaltecer o interesse da BBC em criar um pequeno jogo para promover a série, o que demonstra uma clara aposta na diversificação de conteúdos e interesse nas novas formas de comunicação.

Jogo de corrida com asas em 3d

Podem jogar no site da BBC e ver mais arte do jogo no site da Lois.

outubro 18, 2012

esvaziando a perspectiva

Depois de há poucos dias deixar aqui um video experimental que apresentava ruas de São Francisco sem carros, agora é a vez de obras de arte famosas do renascimento. Bence Hajdu um estudante de Belas Artes húngaro resolveu "limpar" várias pinturas renascentistas para assim poder vislumbrar melhor a técnica de perspectiva.

The last supper (1495-1498) de Leonardo da Vinci
I am a student at the University of Fine Arts in Hungary. at one of the descriptive geometry classes we had a task to find and draw the perspective and horizon lines of renaissance and other pictures with significant perspective space. I thought it is not that interesting to just draw lines, so I decided to erase all the characters from them and examine how the painter really created the perspective space and how it actually looks.

I saw this could be something exciting and continued thinking and working on it. after a while I found myself interested in the new atmosphere and the new thoughts the retouched pieces generated without their main subjects. [Link]

Oath of the Horatii (1784) de Jacques-Louis David



Annunciation (1489-1490) de Sandro Botticelli



 Seaport with the Embarkation of St. Ursula (1641) Claude Lorrain



The Annunciation (1450) Fra Angelico



[via Gizmodo]

março 05, 2012

Steve Jobs (2011) de Walter Isaacson, e o seu Manifesto

Acabei de ler Steve Jobs (2011) de Walter Isaacson. A minha primeira impressão, é que este é um relato poderoso. Para quem acompanhou a informática desde muito cedo, a Apple sempre fez parte do nosso imaginário. Para quem sempre se interessou pela animação, e em especial a animação 3d, a Pixar sempre fez parte do nosso imaginário. Ler este livro é revisitar todo esse imaginário, é preencher espaços com informação desconhecida, é construir uma visão mais alargada e aprofundada destes dois universos. É entrar adentro da essência destas duas marcas culturais da nossa contemporaneidade. Porque conhecer Jobs, é conhecer o seu trabalho, o seu legado.


Apesar das críticas, o livro está repleto de detalhes, provenientes de centenas de entrevistas que nos permitem compreender melhor quem era Steve Jobs. Isaacson procura manter a distância, ser imparcial. Mas é verdade que os factos dificilmente nos poderão deixar indiferentes. Aquilo que Jobs conseguiu realizar durante apenas uma vida, é impressionante. E por muito que odiemos a sua quase dupla personalidade, que por vezes na leitura do livro cheguei a categorizar mesmo como bi-polaridade. Para Steve Jobs, nunca existiu meio-termo, não havia lugar ao polite, ao protocolo. Para ele alguém ou alguma coisa, era "totally shit" ou "brilliant". E este comportamento é a fonte de todos os seus problemas, e que levanta muitos ânimos contra ele.

Steve Jobs numa sessão em Stanford em 1982, perguntando aos alunos,
"How many of you are virgins? How many of you have taken LSD?"

Mas para mim, este comportamento está na raiz de tudo aquilo que ele conseguiu. Não existiria a Apple sem esta atitude, nem a Pixar. E por isso não teríamos tido o Macintosh (1984), Toy Story (1995), iPod (2001), iTunes (2001), iPhone (2007), App Store (2008) e o iPad (2010). Cada um destes produtos, ou melhor destas invenções, teve um tremendo impacto directo nas suas indústrias, mas não só, o seu impacto foi tão forte que as ondas fizeram mudar muita da indústria à sua volta ao ponto de mudar comportamentos e atitudes em toda a sociedade.

Com o seu pai adoptivo Paul Jobs. Steve Jobs reencontrou a sua mãe biológica, e a sua irmã Mona Simpson. Mas recusou-se sempre a conhecer o seu pai biológico.

A base do trabalho de Jobs foi a busca pela essência do Design Perfeito. Como diz Morozov "The cult of the designer is the foundation of Apple’s secular religion". E claramente que este culto o deve também, como diz o Morozov à "functionalist ideology of Bauhaus and its successors", e que é espelhado no livro do Isaacson.

Steve Jobs em sua casa em 2004

Claramente que um livro de 630 páginas não se pode resumir num curto texto. Mas por isso mesmo, irei realizar um recensão sobre as questões do Design e do Design de Interacção e a sua ligação à atitude de Steve Jobs para o nº 22 da revista científica Comunicação e Sociedade sobre as Tecnologias Criativas. No qual procurarei trabalhar mais a atitude de Jobs face ao mundo, e os seus impactos sobre aquilo que foi e ainda é a Apple.

Steve Jobs em sua casa em 2004

Não quero fechar este texto apenas dizendo que escreverei mais sobre este livro, vejo-me obrigado a transcrever para aqui a carta do Steve Jobs que fecha o livro de Isaacson. Esta carta é um verdadeiro manifesto de Steve Jobs e espelha toda a ideologia que este procurou incutir em si e no seu trabalho. Depois da morte de Jobs e ao fim de 600 páginas, ler este texto, faz-nos sentir que tivemos o prazer de ter tido esta pessoa connosco durante a nossa época neste planeta. Se não puderem ler o livro, leiam pelo menos esta carta.

My passion has been to build an enduring company where people were motivated to make great products. Everything else was secondary. Sure, it was great to make a profit, because that was what allowed you to make great products. But the products, not the profits, were the motivation. Sculley flipped these priorities to where the goal was to make money. It’s a subtle difference, but it ends up meaning everything: the people you hire, who gets promoted, what you discuss in meetings.

Some people say, “Give the customers what they want.” But that’s not my approach. Our job is to figure out what they’re going to want before they do. I think Henry Ford once said, “If I’d asked customers what they wanted, they would have told me, ‘A faster horse!’” People don’t know what they want until you show it to them. That’s why I never rely on market research. Our task is to read things that are not yet on the page. 

Edwin Land of Polaroid talked about the intersection of the humanities and science. I like that intersection. There’s something magical about that place. There are a lot of people innovating, and that’s not the main distinction of my career. The reason Apple resonates with people is that there’s a deep current of humanity in our innovation. I think great artists and great engineers are similar, in that they both have a desire to express themselves. In fact some of the best people working on the original Mac were poets and musicians on the side. In the seventies computers became a way for people to express their creativity. Great artists like Leonardo da Vinci and Michelangelo were also great at science. Michelangelo knew a lot about how to quarry stone, not just how to be a sculptor.

People pay us to integrate things for them, because they don’t have the time to think about this stuff 24/7. If you have an extreme passion for producing great products, it pushes you to be integrated, to connect your hardware and your software and content management. You want to break new ground, so you have to do it yourself. If you want to allow your products to be open to other hardware or software, you have to give up some of your vision.

At different times in the past, there were companies that exemplified Silicon Valley. It was Hewlett-Packard for a long time. Then, in the semiconductor era, it was Fairchild and Intel. I think that it was Apple for a while, and then that faded. And then today, I think it’s Apple and Google—and a little more so Apple. I think Apple has stood the test of time. It’s been around for a while, but it’s still at the cutting edge of what’s going on.

It’s easy to throw stones at Microsoft. They’ve clearly fallen from their dominance. They’ve become mostly irrelevant. And yet I appreciate what they did and how hard it was. They were very good at the business side of things. They were never as ambitious product-wise as they should have been. Bill likes to portray himself as a man of the product, but he’s really not. He’s a businessperson. Winning business was more important than making great products. He ended up the wealthiest guy around, and if that was his goal, then he achieved it. But it’s never been my goal, and I wonder, in the end, if it was his goal. I admire him for the company he built—it’s impressive— and I enjoyed working with him. He’s bright and actually has a good sense of humor. But Microsoft never had the humanities and liberal arts in its DNA. Even when they saw the Mac, they couldn’t copy it well. They totally didn’t get it.

I have my own theory about why decline happens at companies like IBM or Microsoft. The company does a great job, innovates and becomes a monopoly or close to it in some field, and then the quality of the product becomes less important. The company starts valuing the great salesmen, because they’re the ones who can move the needle on revenues, not the product engineers and designers. So the salespeople end up running the company. John Akers at IBM was a smart, eloquent, fantastic salesperson, but he didn’t know anything about product. The same thing happened at Xerox. When the sales guys run the company, the product guys don’t matter so much, and a lot of them just turn off. It happened at Apple when Sculley came in, which was my fault, and it happened when Ballmer took over at Microsoft. Apple was lucky and it rebounded, but I don’t think anything will change at Microsoft as long as Ballmer is running it.

I hate it when people call themselves “entrepreneurs” when what they’re really trying to do is launch a startup and then sell or go public, so they can cash in and move on. They’re unwilling to do the work it takes to build a real company, which is the hardest work in business. That’s how you really make a contribution and add to the legacy of those who went before. You build a company that will still stand for something a generation or two from now. That’s what Walt Disney did, and Hewlett and Packard, and the people who built Intel. They created a company to last, not just to make money. That’s what I want Apple to be.

I don’t think I run roughshod over people, but if something sucks, I tell people to their face. It’s my job to be honest. I know what I’m talking about, and I usually turn out to be right. That’s the culture I tried to create. We are brutally honest with each other, and anyone can tell me they think I am full of shit and I can tell them the same. And we’ve had some rip-roaring arguments, where we are yelling at each other, and it’s some of the best times I’ve ever had. I feel totally comfortable saying “Ron, that store looks like shit” in front of everyone else. Or I might say “God, we really fucked up the engineering on this” in front of the person that’s responsible. That’s the ante for being in the room: You’ve got to be able to be super honest. Maybe there’s a better way, a gentlemen’s club where we all wear ties and speak in this Brahmin language and velvet code-words, but I don’t know that way, because I am middle class from California.

I was hard on people sometimes, probably harder than I needed to be. I remember the time when Reed was six years old, coming home, and I had just fired somebody that day, and I imagined what it was like for that person to tell his family and his young son that he had lost his job. It was hard. But somebody’s got to do it. I figured that it was always my job to make sure that the team was excellent, and if I didn’t do it, nobody was going to do it.

You always have to keep pushing to innovate. Dylan could have sung protest songs forever and probably made a lot of money, but he didn’t. He had to move on, and when he did, by going electric in 1965, he alienated a lot of people. His 1966 Europe tour was his greatest. He would come on and do a set of acoustic guitar, and the audiences loved him. Then he brought out what became The Band, and they would all do an electric set, and the audience sometimes booed. There was one point where he was about to sing “Like a Rolling Stone” and someone from the audience yells “Judas!” And Dylan then says, “Play it fucking loud!” And they did. The Beatles were the same way. They kept evolving, moving, refining their art. That’s what I’ve always tried to do—keep moving. Otherwise, as Dylan says, if you’re not busy being born, you’re busy dying.

What drove me? I think most creative people want to express appreciation for being able to take advantage of the work that’s been done by others before us. I didn’t invent the language or mathematics I use. I make little of my own food, none of my own clothes. Everything I do depends on other members of our species and the shoulders that we stand on. And a lot of us want to contribute something back to our species and to add something to the flow. It’s about trying to express something in the only way that most of us know how—because we can’t write Bob Dylan songs or Tom Stoppard plays. We try to use the talents we do have to express our deep feelings, to show our appreciation of all the contributions that came before us, and to add something to that flow. That’s what has driven me.

Steve Jobs

agosto 22, 2010

3-D, um desastre estético

Vi apenas dois filmes no, actualmente muito badalado pelo marketing da indústria cinematográfica, “modo 3-D”, que na realidade é o “modo estereoscópico” de sempre - Avatar (2010) e Toy Story 3 (2010). Para mim foi suficiente, para poder classificar esta “moda” de mero interesse económico e como um desastre estético na história da arte cinematográfica.

Apesar de nem sempre estar de acordo com Ebert como no caso dos videojogos, em relação ao 3-D estou inteiramente de acordo com o seu artigo para a Newsweek. O maior problema apontado por Ebert já tinha sido apontado por Coppola entre outros, o facto de isto não passar de um mero artifício de extorsão de uma “taxa 3D” e de funcionar como elemento "aparentemente inovador" contra a pirataria e o home-cinema.

Mas o que mais me preocupa não são estas artimanhas perpetradas por executivos dos cêntimos, mas sim os impactos que isso pode ter sobre a arte em si. Não sou claramente o único a dizê-lo um dos mais claros ataques ao 3-D veio agora da parte de Christopher Nolan,


"The truth is, I think it's a misnomer to call it 3-D versus 2-D. The whole point of cinematic imagery is it's three-dimensional. ... You know, 95% of our depth cues come from occlusion, resolution, color and so forth, so the idea of calling a 2-D movie a '2-D movie' is a little misleading."
Exactamente. Não é apenas o cinema, é a pintura, a fotografia toda a arte visual possui hoje conhecimento capaz de engendrar visualmente a ilusão da terceira dimensão, ou seja da profundidade, e essa técnica chama-se perspectiva e tem hoje mais de 500 anos de história. Veja-se os dois exemplos abaixo que representam a mesma cena A Última Ceia, o de Ugolino da Siena anterior à descoberta da perspectiva, e o de Da Vinci no momento em que esta começava a implantar-se na arte.

A Última Ceia de Ugolino de Siena, 1315

A Última Ceia de Leonardo Da Vinci, 1495

Um princípio matemático criado por artistas e padronizado por matemáticos que nos permite hoje “ver através”. A obra de Panofsky sobre o assunto é algo que muito destes senhores deviam ler para perceberem o que está em jogo quando falamos de tridimensionalidade visual.

Para uma melhor compreensão do fenómeno veja-se uma excelente explicação interactiva da webexhibits.org.

A questão que se coloca então de um ponto de vista estético é, o que é que este efeito 3-D adiciona ao Cinema? Pouco, ou até diria nada, porque subtrai mais (essencialmente distraindo o espectador) do que aquilo que verdadeiramente adiciona. A estereoscopia funciona perceptivamente como se estivéssemos perante dois planos distintos. O problema é que nessa planificação apenas os personagens e objectos podem recorrer do efeito, o Espaço, esse continua igual. Assim para além de não representar qualquer acrescento, traz problemas à composição cinematográfica, uma vez que este efeito conseguido com a estereoscopia tem uma enorme tendência para se centrar no meio da imagem. Ou seja os nossos olhos vêem melhor a distinção de planos se esta acontecer no centro da imagem. Como tal os nossos olhos estão constantemente a ser atraídos para o centro. Isto é de todo inaceitável em termos expressivos para qualquer realizador que se preze.

A acrescentar a tudo isto temos ainda o facto de a projecção 3-D resultar imensamente escura. O simples facto de retirar os óculos numa qualquer sessão dá-nos uma ideia do que estamos a perder.
"The truth of it is when you watch a film in here, you're looking at 16 foot-lamberts, When you watch through any of the conventional 3-D processes you're giving up three foot-lamberts. A massive difference. You're not that aware of it because once you're 'in that world,' your eye compensates.” Christopher Nolan
“Half the light goes to one eye and half to the other, which immediately results in a 50 percent reduction in illumination.” Then the glasses themselves absorb light.” Ebert

Julgo que estas são algumas das evidências que nos devem alertar para algo que não está a ser promovido com interesse genuíno e que mesmo os próprios media pouco ou nada têm feito para desmistificar. Aliás os media têm sido embalados por todo este fogo de artifício como se isto se tratasse de uma das mais interessantes tecnologias da actualidade, sem contudo realizarem um mínimo de trabalho de análise ou mesmo procurar ouvir quem emite pareceres sobre o assunto.

março 29, 2009

Arte em Manchester

Durante a curta visita para dar aulas a Manchester aproveitei para ver a exibição de "Ten Drawings by Leonardo da Vinci from the Royal Collection" na Manchester Art Gallery. Não que as minhas expectativas fossem muito elevadas, mas como é natural qualquer coisa em que génios como Leonardo tenham tocado despertam sempre a atenção. Ainda para mais no caso desta exposição específica, podemos ganhar um mais aprofundado conhecimento da obra no site da Royal Collection do que vendo os desenhos ao vivo. Isto porque estes não podem ser expostos a muita luz e como tal a legibilidade não era das melhores. Destaco aqui apenas um dos desenhos, aliás o único que me despertou verdadeiro interesse dos 10. Aliás são 12, mas são apresentados como 10, porque dois deles estão desenhados nas costas de outros dois.

A skull sectioned, Leonardo da Vinci, Itália, 1489

O que Leonardo tentou fazer neste desenho foi localizar no cérebro o ponto nevrálgico do chamado "senso comune". O chamado ponto de interface entre a mente e o mundo. Para poderem ver o trabalho em detalhe aconselho vivamente uma visita ao site da Royal Collection que fez um excelente trabalho na sua reprodução digital e na interface de acesso.

Para além desta exibição gostei de ver alguns trabalhos das galerias permanentes, nomeadamente europeus do século XVII e XVIII. Ao contrário do que acontece com os desenhos do Leonardo, alguns dos trabalhos que mais gostei não me atrevo a colocar aqui a sua imagem porque as reproduções são muito fracas, nomeadamente as pinturas de grande detalhe e de grande diversidade de cor como Work, de Ford Madox Brown, Inglaterra, 1852 ou The Chariot Race, de Alexander von Wagner, Alemanha, 1882.

Sir Thomas Aston at the Deathbed of his Wife painting, John Souch, Inglaterra, 1635

Autumn Leaves, Sir John Everett Millais, Escócia, 1856

Sappho, Charles-August Mengin, France, 1877

novembro 01, 2007

A Última Foto

Parte da Ultima cena de Leonardo da Vinci (1495-1498)

"A Última Ceia" data de entre 1494 e 1498 e a sua presença física encontra-se em Milão no convento de Santa Maria delle Grazie. A pintura foi realizada com recurso ao método da têmpera que fazia uso da gema de ovo como colante da pigmentação sobre uma base de gesso e que pelo que podemos ver, não teve os melhores efeitos ao nível da durabilidade. É uma das imagens mais famosas do mundo cristão, talvez a mais famosa a seguir à de Jesus na cruz por talvez representar toda a ideologia cristã visualmente: a fraternidade, a família, a partilha e ainda os derradeiros momentos da vida de Jesus assim como todos os seus Apóstolos. Simbolicamente a imagem é uma janela para o sagrado mundo da Bíblia.

O acesso à presença física desta imagem é bastante complicado,
O espaço estreito não permite que mais de 20 pessoas entrem ao mesmo tempo. Elas precisam reservar uma visita meses antes. Por isso, cerca de 300 mil pessoas conseguem vê-la anualmente. Além disso, os visitantes não podem ficar a menos de dois metros de distância da imagem. [1]
Desse modo a empresa HAL9000 realizou um trabalhos verdadeiramente minucioso para digitalizar a integralidade da imagem e depois colocou-a online. A imagem digital criada contém, nada mais que uns estonteantes 16 milhões de pixels. Para terem uma ideia, pensem numa imagem captada por uma vulgar máquina de 6 MP e agora multipliquem essa imagem 2666 vezes.