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fevereiro 02, 2023

ChatGPT e os modelos de competência linguística

Finalmente, um artigo que discute a essência da forma do texto produzido pelo ChatGPT. Desde que surgiu e realizei múltiplas experiências com o assistente, havia algo que me perturbava profundamente na sua escrita: o facto de ser corretamente límpida, mas simultaneamente “vazia”. Vazia num sentido de intencionalidade humana, de se poder sentir por debaixo das palavras desejo, vontade, viés e distorção das ideias que se presta a discutir. Chamava a isto “voz”, mas precisava de algo mais para definir o que podia ser isto, e agora uma equipa do MIT apresenta um modelo linguístico, baseado em neurociência, que desconstrói essas competências linguísticas do ChatGPT. 

janeiro 14, 2023

Humanos e Máquinas: métricas da mediania

O título “The Tyranny of Metrics” do professor Jerry Z. Muller é indissociável do título “The Tyranny of Merit” do imensamente mais conhecido professor Michael J. Sandel. Mas em defesa de Muller, o seu livro é de 2018, e o de Sandel de 2020. Mas a aproximação não se fica pelos títulos, vai ao fundo dos dois tópicos eleitos: mérito e métricas. Não as colocando lado a lado, mas antes em lados opostos, diga-se lados políticos. Porque se o “mérito” é o santo graal da esquerda, o motor da crença messiânica de que todos podemos ser tudo e fazer tudo desde que nos esforcemos. As métricas são o Santo Graal da direita, em que tudo tem de ser medido para que tudo possa ser transparente, porque só quando ajustado pela medida objetiva se pode eliminar qualquer vestígio de viés humano.

As métricas que nos transformam em máquinas

dezembro 10, 2022

Como funciona o mundo

"How the World Really Works: The Science Behind How We Got Here and Where We're Going" saiu este ano e tem sido imensamente discutido pela crítica, o que não diria dever-se, apesar de também, a Bill Gates, mas essencialmente ao longo percurso científico de Vaclav Smil (78 anos) a discutir estas matérias o que lhe confere um grau de autoridade e confiança muito elevados. No imediato, e apesar do livro se focar na questão ambiental, nomeadamente no aquecimento global, compararia este a "Factfullness" (2018) de Hans Rosling, pelo modo como desfia números e factos sobre a energia que sustenta o nosso modo de vida, desconstruindo teias de histórias que têm vindo a moldar a nossa visão do mundo.

dezembro 01, 2022

Make It New: A History of Silicon Valley Design

Não sei como passei ao lado de "Make It New: A History of Silicon Valley Design", um livro já de 2015, mas é uma das maiores jóias sobre a História de Silicon Valley, sobre o nascimento das tecnologias multimédia, mas em particular sobre o modo como o design, e não o desenvolvimento, se tornou no centro da criação tecnológica. Li já dezenas de livros sobre esta história, mas este livro de Barry M. Katz, Professor de Design Industrial e Interação no California College of the Arts e Colaborador da IDEO, Inc., distingue-se por apresentar pela primeira vez uma perspectiva completa a partir do design. Foi, sem dúvida, uma das minhas leituras mais gratificantes de 2022.

O livro está editado pela MIT Press

outubro 30, 2022

Regular o capitalismo

Shoshana Zuboff é um nome que surge amiúde sempre que se fala dos impactos problemáticos das atuais tecnologias de comunicação, nomeadamente as produzidas pelas 4 grandes tecnológicas — GAFA (Google, Apple, Facebook, Amazon). Tendo lido uma enorme quantidade de coisas boas sobre a autora, que vem com o pedigree da Ivy League, não fiquei depois muito impressionado com o modo como discute a técnica por detrás da tecnologia, parecendo ficar muitas vezes à porta da complexidade desta, focando-se mais nos quadros de impactos macro, muitas vezes desligados da efetiva capacidade das tecnologias. E assim, talvez não seja surpreedente não ter gostado particularmente do seu livro "The Age of Surveillance Capitalism" (2019).

setembro 19, 2022

Facebook e a Saúde Mental

O estudo, "Social Media and Mental Health" (2022) (publicado em preprint na SSRN, em breve disponível no American Economic Review) que retrata os efeitos do Facebook na saúde mental dos seus utilizadores foi tornado público por estes dias e os dados são pouco animadores. O estudo foi feito a partir de dados empíricos de: a) momento em que o Facebook foi tornado a acessível em cada universidade americana no ano de 2014, que permitiu perceber o exato momento em que cada aluno começou a aceder à ferramenta; e b) os questionários semi-anuais da National College Health Assessment, que chegam a mais de 430,000 respondentes, inquirindo sobre saúde mental e bem-estar nas universidades americanas. Os resultados: a introdução do Facebook nas universidades levou a um aumento da depressão grave em 7% e do distúrbio da ansiedade em 20%. Para além destes resultados, uma percentagem de estudantes iniciaram tratamento com psicoterapia e/ou antidepressivos. "O efeito negativo do Facebook é comparável, em magnitude, a cerca de 22% do efeito da perda de emprego na saúde mental". Os investigadores apontam como principal razão o facto do Facebook promover "comparações sociais desfavoráveis".

maio 28, 2022

Deuses e robôs

Tinha grandes expectativas sobre "Gods and Robots: Myths, Machines, and Ancient Dreams of Technology" (2018) de Adrienne Mayor, que não se goraram por completo, mas que acabaram por ficar bastante aquém do enorme potencial. Esperava um discurso mais assente nos interstícios da tecnologia, na descoberta das criações humanas ao longo da história, com detalhe sobre os comos, nomeadamente as mecânicas, design, objetivos e inovação humana. Mas Mayor foca-se quase exclusivamente no lado mitológico, dando conta de alguns desses elementos passados ao real não forma de esculturas, mas centrando todo o seu discurso em hipóteses das representações míticas, oferecendo muito pouco sobre o lado material de quem criava e inovava.

março 31, 2021

Contra a demonização da Aula

Nos últimos anos temos assistido a uma demonização da aula expositiva (a lecture), não apenas no discurso mais comum de quem está focado na profissionalização do ensino, com artigos como “Põe as crianças a dormir — mas os professores continuam na mesma a dar aulas”, mas também dentro da própria academia com a revista Science a fazer artigos como — “As aulas não são apenas aborrecidas, são também ineficazes”. Ou ainda agora com a pandemia e o ensino online em que se diz que "Os alunos não detestam o Zoom, eles detestam é as aulas". Tendo em conta a enorme recetividade que as diferentes comunidades têm manifestado a este discurso, percebe-se o contínuo ataque cerrado a que a Escola está votada. É contra esse ataque que escrevo este artigo, porque não podemos permitir que a Escola, o único elevador social consequente e o único garante de uma democracia harmónica, seja rotulada como inconsequente ou nefasta.

Imagem de uma aula do Professor Michael Sandel, na Universidade de Harvard

janeiro 12, 2021

Livros do Google Books em Domínio Público

O Google Books (ou Google Livros) é um dos serviços da Google mais importantes e impressionantes de entre os muitos que têm desenvolvido, pois conseguiu ao longo dos últimos 15 anos digitalizar 40 milhões de livros em todo o mundo. A Google estima que existam cerca de 130 milhões de volumes em bibliotecas no mundo e tem como objetivo digitalizar todos. Este serviço só tem um problema, o Copyright. A Google não pode disponibilizar em modo completo, obras que estejam debaixo de direitos de autor. Contudo, pode disponibilizar aquelas de que os seus autores tenham falecido há mais de 70 anos, e é isto que me interessa aqui. Porque a Google não disponibiliza automaticamente os livros que entram no domínio público a cada ano, para tal acontecer é preciso que alguém reclame e evidencie que a obra já está em domínio público. Para o efeito, deixo abaixo os passo para qualquer um de vós o poder fazer.

Como libertar livros em Domínio Público no Google Books

fevereiro 10, 2020

Mais um portal aberto pela Realidade Virtual

No passado dia 6 de fevereiro a MBC, uma das principais cadeias de televisão da Coreia do Sul, exibiu o documentário chamado "Eu encontrei-te" ("I Met You") no qual a realidade virtual foi utilizada como ponte comunicativa para "o além". Jang Ji-sung mãe de 4 filhos, perdeu em 2016 a filha Nayeon, na altura com apenas 7 anos, morreu de leucemia. Em 2020, a tecnologia de RV e uma equipa de vários criadores multimedia a trabalhar durante 8 meses, proporcionaram a esta mãe o reencontro com "a filha", num ambiente virtual, uma experiência que a mãe qualificou como "um verdadeiro paraíso". A experiência levanta mais questões do que aquelas a que responde, mas é para lhes tentar responder que trabalhamos todos os dias.
Talvez o mais inquietante de tudo isto surja pelo lado do aproveitamento da cadeia de televisão, que explora de forma brutal e sem qualquer pudor a emocionalidade íntima daquela mãe. Por outro lado, provavelmente sem esta exibição não teria havido meios suficientes para construir a simulação que foi apresentada. A menina, Nayeon, não é apenas realista graficamente, ela movimenta-se e fala como a filha de Ji-sung, e isso exige todo um estudo de comportamento e reconstrução tridimensional demorado, complexo e muito caro.

Trecho de síntese do documentário exibido na MBC (tudo em coreano).

O visionamento da experiência funciona de forma bastante dramática, já que a criança surge de modo bastante realista, e percebemos pela reação da mãe que ela mexe totalmente consigo, sendo depois tudo assistido pelas irmãs e pai, que são aqui exibidos também, acrescendo em tensão dramática. A tecnologia utilizada não se limitou ao visual interativo, foi implementado todo um sistema háptico que permite à mãe tocar e acariciar a filha, e podemos ver como a mãe se queda ali diante da ilusão ligada a esse toque, como se tivesse tido acesso a um mundo ausente, diretamente projetado da sua mente, mas plasmado em algo que se pode ver e tocar, como se o seu mais íntimo desejo se tivesse tornado realidade. Nas palavras da mãe:
"Eu encontrei Nayeon, que me chamou com um sorriso, foi um momento muito curto, mas um momento muito feliz. Acho que tive o sonho que sempre desejei."
Do ponto de vista psicológico, podemos questionar se é uma experiência benéfica. Não sabemos, mas não será pior do que ver e rever fotografias e vídeos, claro que com a diferença de acrescentar a dimensão de agência que cria toda uma nova experiência no repertório de memórias da mãe. Mas será diferente de encontrar uma carta deixada por um familiar que partiu, nunca antes lida? Ou de uma gravação de vídeo que nunca anteriormente vimos? Podemos discutir a relevância de reviver o passado, ou de rememorar nesse passado, mas esse não é um problema da RV. Aqui trata-se de uma experiência de poucos minutos. Claro que se levarmos isto para a ideia de reconstrução de uma persona completa num mundo virtual, com inteligência e capaz de comunicar e reagir a nós, no fundo um ressuscitar virtual de uma pessoa, como foi perspectivado recentemente num episódio de Black Mirror, aí sim, estaremos a entrar em águas desconhecidas...
Do ponto de vista da tecnologia, o que temos aqui é a RV a cumprir o sonho do cinema, segundo André Bazin. Para Bazin, o cinema devia ter-nos dado acesso ao "mito total", o de um "realismo integral, a recriação do mundo à sua imagem, uma imagem na qual não era ponderada a hipótese da liberdade de interpretação do artista numa irreversibilidade do tempo". O cinema não deveria registar apenas a imagem, som e movimento deveria ir além e registar as pessoas, guardá-las, preservá-las, e de cada vez que víssemos o filme poderíamos vê-las, mas poderíamos também com elas interagir, falar e assim criar novas experiências, novas memórias. Mas como ele dizia em 1948, o cinema não tinha ainda sido "inventado", mas parece que estamos cada vez mais perto desse "mito".

dezembro 26, 2019

Isolamento social animado em plasticina

“Facing It” (2018) é um filme de animação de estudante brilhante que além de apresentar uma história atual e impactante, recorre a um conjunto muito diversificado de técnicas de animação, misturando múltiplos media, para dar conta do sentir dos personagens. A curta é o resultado do projeto final do mestrado em Direção de Animação, National Film and Television School (UK), de Sam Gainsborough, depois de se ter licenciado em Screenwriting for Film and TV na Bournemouth University, em 2013. Ao longo do ano passado o filme foi galardoado com imensos prémios e nomeações.
Tecnicamente temos: pixilation, plasticina, chromakeying, motion tracking e rotoscoping. Os personagens são pessoas reais, filmadas com máscaras e marcadores faciais, em movimentos adaptáveis ao stop-motion do filme. Os grandes planos foram novamente filmados com fundo verde, para servir o rotoscoping e mistura com a plasticina. Os marcadores da face foram usados para a substituição das expressões, via motion tracking, com as animações criadas em plasticina.

É um trabalho audiovisual impressionante, pela mistura de técnicas que requerem competências muito distintas, e pelo resultado final imensamente conseguido em termos de coerência estética. Não só as técnicas foram fundidas sem deixar rasto, como a cinematografia e a cor trabalham em perfeita sintonia para fazer passar a história de Gainsborough. Vale a pena ver o making of, depois do filme, e ler a entrevista no Director's Notes.
No meio de tudo, gostei particularmente da técnica utilizada na modelação da plasticina, no modo como as dedadas em vez de serem limadas, para se tornarem invisíveis, são enfatizadas para oferecer textura e expressividade à superfície plástica. Em certos momentos, nomeadamente quando animados, o modo como Gainsborough trabalha os rastos das dedadas fazem lembrar as texturas produzidas pelas pinceladas de Van Gogh.


"Shaun always feels separate and isolated from the confident, happy world around him. Whilst waiting for his parents in a busy pub, Shaun struggles valiantly to join in with the admirably happy people in the crowd, but the more he tries, the more he goes awry. As everything in the pub goes from bad to worse, Shaun finds himself confronted by the painful memories that made him who he is. His feelings, memories and desires overwhelm him and by the end of the evening he is ready to explode…"

novembro 26, 2019

Mona Lisa como há 500 anos

Pascal Cotte criou em 1989 uma empresa especializada em análise fotográfica por meio de luz multiespectral e ao longo dos anos especializou-se na análise de pinturas tendo trabalhado especialmente a obra de Da Vinci. Foi o responsável pelas descobertas de desenhos de um outro modelo por debaixo da Mona Lisa ou da ausência do Arminho na primeira versão da "Dama com Arminho". Na sua descoberta mais recente, Cotte vai mais longe, recorrendo não apenas à luz, mas a todo um trabalho de reconstituição dos pigmentos existentes na época de Leonardo, para nos dar a ver o quadro que Leonardo viu antes de morrer. O resultado pode ser visto aqui, e o processo no excerto de vídeo abaixo.
À esquerda: o original presente no Louvre. Ao centro: o original com a luz retocada em Photoshop: À direita, a nova versão, que segundo Cotte se aproxima da criada por Da Vinci há 500 anos.
Esta proposta de Cotte faz sentido, não apenas pela justificação histórica que é suportada por um dos maiores especialistas em Da Vinci, Martin Kemp que diz no vídeo isto: "Suddenly she doesn’t look like a submarine goddess. She looks as if she’s in the fresh air, which is just terrific". Mas esta visão é também suportada pela recente descoberta no Museu do Prado de uma cópia de Mona Lisa feita no atelier de Da Vinci, e enquanto este era ainda vivo.
À esquerda, a cópia que existia no Prado até 2012. À direita, a mesma cópia restaurada em 2012, tendo sido retirada toda a tinta preta que cobria o fundo, que nos permite ver a aproximação à proposta de Cotte.

O vídeo do trabalho realizado por Cotte, para chegar à proposta final, é um excerto do documentário —"Decoding Da Vinci" (2019)— de uma hora da PBS que não está acessível na Europa ainda e que fica aqui abaixo.

outubro 27, 2019

Kevin Kelly e o Elogio da Tecnologia num Mundo Sem Humanos

Este livro — "The Inevitable: Understanding the 12 Technological Forces That Will Shape Our Future" (2016) — tem sido vendido como tecnológico-otimista, mas devia antes ser catalogado como tecnológico-ridículo. Seis anos depois de ter publicado um dos livros mais interessantes sobre tecnologia, "What Technology Wants" (2010), Kelly conseguiu inverter totalmente o pólo para nos oferecer um mero remendo de textos de blog, feito de múltiplas divagações inconsequentes, distorções da realidade e ainda múltiplos erros. Isto não é ingenuidade, como alguns apontaram, isto é puro desleixo e acima de tudo alheamento do mundo, tanto da sua parte como de quem editou o livro.


A melhor forma de perceber a razão da minha crítica dura é ler este excerto abaixo, retirado do capítulo 5, "Accessing":
I live in a complex. Like a lot of my friends, I choose to live in the complex because of the round-the-clock services I can get. The box in my apartment is refreshed four times a day. That means I can leave my refreshables (like clothes) there and have them replenished in a few hours. The complex also has its own Node where hourly packages come in via drones, robo vans, and robo bikes from the local processing center. I tell my device what I need and then it’s in my box (at home or at work) within two hours, often sooner. The Node in the lobby also has an awesome 3-D printing fab that can print just about anything in metal, composite, and tissue. There’s also a pretty good storage room full of appliances and tools. The other day I wanted a turkey fryer; there was one in my box from the Node’s library in a hour. Of course, I don’t need to clean it after I’m done; it just goes back into the box. When my friend was visiting, he decided he wanted to cut his own hair. There were hair clippers in the box in 30 minutes. I also subscribe to a camping gear outfit. Camping gear improves so fast each year, and I use it for only a few weeks or weekends, that I much prefer to get the latest, best, pristine gear in my box. Cameras and computers are the same way. They go obsolete so fast, I prefer to subscribe to the latest, greatest ones. Like a lot of my friends, I subscribe to most of my clothes too. It’s a good deal. I can wear something different each day of the year if I want, and I just toss the clothes into the box at the end of the day. They are cleaned and redistributed, and often altered a “bit to keep people guessing. They even have a great selection of vintage T-shirts that most other companies don’t have. The few special smartshirts I own are chipped-tagged so they come back to me the next day cleaned and pressed.
I subscribe to several food lines. I get fresh produce directly from a farmer nearby, and a line of hot ready-to-eat meals at the door. The Node knows my schedule, my location on my commute, my preferences, so it’s really accurate in timing the delivery. When I want to cook myself, I can get any ingredient or special dish I need. My complex has an arrangement so all the ongoing food and cleaning replenishables appear a day before they are needed in the refrig or cupboard. If I was flush with cash, I’d rent a premium flat, but I got a great deal on my place in the complex because they rent it out anytime I am not there. It’s fine with me since when I return it’s cleaner than I leave it.”
“I have never owned any music, movies, games, books, art, or realie worlds. I just subscribe to Universal Stuff. The arty pictures on my wall keep changing so I don’t take them for granted. I use a special online service that prepares my walls from my collection on Pinterest. My parents subscribe to a museum service that lends them actual historical works of art in rotation, but that is out of my range. These days I am trying out 3-D sculptures that reconfigure themselves each month so you keep noticing them. Even the toys I had as a kid growing up were from Universal. My mom used to say, “You only play with them for a few months—why own them?” So every couple of months they would go into the box and new toys would show up.
Universal is so smart I usually don’t have to wait more than 30 seconds for my ride, even during surges. The car just appears because it knows my schedule and can deduce my plans from my texts, calendar, and calls. I’m trying to save money, so sometimes I’ll double or triple up with others on the way to work. There is plenty of bandwidth so we can all screen. For exercise, I subscribe to several gyms and a bicycle service. I get an up-to-date bike, tuned and cleaned and ready at my departure point. For long-haul travel I like these new personal hover drones. They are hard to get when you need them right now since they are so new, but so much more convenient than commercial jets. As long as I travel to complexes in other cities that have reciprocal services, I don’t need to pack very much since I can get everything—the same things I normally use—from the local Nodes.
My father sometimes asks me if I feel untethered and irresponsible not owning anything. I tell him I feel the opposite: I feel a deep connection to the primeval. I feel like an ancient hunter-gatherer who owns nothing as he wends his way through the complexities of nature, conjuring up a tool just in time for its use and then leaving it behind as he moves on. It is the farmer who needs a barn for his accumulation. The digital native is free to race ahead and explore the unknown. Accessing rather than owning keeps me agile and fresh, ready for whatever is next.
O que acabaram de ler podia bem ser um sonho de Lenine numa noite de 1916, em que veria o futuro em 2116 da sociedade soviética otimizada pela força do trabalho comum, partilhado, suportado pelo poder da tecnologia na produção do bem supremo para todos. O problema aqui não é o Comunismo, é o passar por cima de todos os problemas desse regime, mantendo apenas o lado da teoria e do sonho. Tudo o resto, que tem que ver com aquilo que faz de nós seres humanos, auto-motivados e autónomos, é totalmente ignorado, como foi ignorado durante 70 anos na URSS, e continua a ser ignorado na China.

O que isto põe a nu, é aquilo que estamos cansados de saber, que muitas das pessoas que gravitam no domínio da tecnologia, têm a sua bússola apenas focada na invenção tecnológica, nas possibilidades e impossibilidades da matéria, e ignoram totalmente o humano. Não compreendem que a tecnologia, por muito que afete os humanos, não passa de ferramenta e extensão daquilo que intrinsecamente somos. Que a tecnologia per se não altera, em nada, isso que somos. Que a invenção do Nuclear tanto serviu para providenciar vidas melhores a milhões de humanos, por via das centrais de produção elétrica, como serviu para tirar vidas as milhões de humanos em parcos segundos. Que o machado é fantástico para cortar lenha e providenciar calor, mas é brutalmente ainda mais eficaz no abrir da cabeça uns aos outros.

Isto para não falar do ridículo que é lançar uma prospeção destas sem fundamentar de onde adviria o contributo do sujeito, já que nesta extensa divagação este não produz nada, limita-se a consumir o que dezenas de pessoas continuam a produzir. Ou seja, no limite isto nem sequer se trataria de uma utopia comunista, mas talvez melhor dizer uma utopia monárquica. Ou seja, não há limites para quem se limita a pensar do alto do seu bem-estar o que pode vir a conseguir ainda de melhor para si, quanto ao resto da sociedade, logo se vê. Aliás, repare-se no tamanho ridículo da afirmação feita um pouco à frente:
“The more we benefit from such collaboration, the more open we become to socialized institutions in government. The coercive, soul-smashing system that controls North Korea is dead (outside of North Korea)”
Eu sei que ele escreveu isto antes de Trump ser eleito, mas era preciso Brexit e Trump para compreender aquilo que os negacionistas do Holocausto não param de fazer há décadas? Mas depois é ver como Kelly tanto aponta para a direita como para esquerda, sem saber ao que vem nem vai, veja-se as contradições:
“The increasingly common habit of sharing what you’re thinking (Twitter), what you’re reading (StumbleUpon), your finances (Motley Fool Caps), your everything (Facebook) is becoming a foundation of our culture. Doing it while collaboratively building encyclopedias, news agencies, video archives, and software in groups that span continents, with people you don’t know and whose class is irrelevant—that makes political socialism seem like the logical next step.”
E logo a seguir:
“Instead of a government monopoly distributing mail, let market players like DHL, FedEx, and UPS try it as well. In many cases, a modified market solution worked significantly better. Much of the prosperity in recent decades was gained by unleashing market forces on social problems.”
Repare-se ainda no seguinte:
“is neither the classic communism of centralized planning without private property nor the undiluted selfish chaos of a free market. Instead, it is an emerging design space in which decentralized public coordination can solve problems and create things that neither pure communism nor pure capitalism can.”
Algumas páginas depois
“The shift from hierarchy to networks, from centralized heads to decentralized webs, where sharing is the default, has been the major cultural story of the last three decades”
Confrontando numas páginas mais à frente:
“If one looks hard and honestly, even the supposed paragon of user-generated content—Wikipedia itself—is far from pure bottom-up. In fact, Wikipedia’s open-to-anyone process contains an elite in the back room. The more articles someone edits, the more likely their edits will endure and not be undone, which means that over time veteran editors find it easier to make edits that stick, which means that the process favors those few editors who devote lots of time over many years (..) “These persistent old hands act as a type of management, supplying a thin layer of editorial judgment and continuity to this open ad-hocracy. In fact, this relatively small group of self-appointed editors is why Wikipedia continues to work and grow into its third decade.”
Kelly diz-nos então que nem o capitalismo nem o comunismo são bons, e depois apresenta-nos uma suposta terceira-via, a mistura ambas, mas que no final nos dá o mesmo do regime da URSS, que não era Comunismo, porque o comunismo real só existe em teoria, quando levado à prática transforma-se em algo diferente. Para manter todos a colaborar e a partilhar aceita-se a necessidade de estruturas hierárquicas que impõem a missão e a regulação segundo os seus próprios ideais. Veja-se a recente promoção de Xi Jinping a líder da China vitalício. O coletivo é ótimo e a hierarquia é necessária, desde que sejamos nós a controlar o topo! É muito pobre, mero deslumbramento com as possibilidades do coletivo, que já tantas vezes destruiu comunidades, sociedades e nações inteiras.


Noutro registo completamente diferente, Kelly apresenta-se como um verdadeiro seguidor da sociedade das métricas e quantificações. Ao longo de todo o livro, são continuamente contabilizadas as horas, os minutos, as produções, as partilhas, os comentários, dos milhões e milhões de utilizadores. Tudo isso serve para lançar supostas teorias sobre o futuro, o problema é que para se conseguirem ler corretamente esses números, não bastam os números, é preciso conhecer o humano, como ele funciona e se comporta, e isso está sempre ausente em toda esta discussão.
“Every 12 months we produce 8 million new songs, 2 million new books, 16,000 new films, 30 billion blog posts, 182 billion tweets, 400,000 new products. (..)  
It is 10 times easier today to make a simple video than 10 years ago. It is a hundred times easier to create a small mechanical part and make it real than a century ago. It is a thousand times easier today to write and publish a book than a thousand years ago. (..)
if you track the number of songs being written every year, there are millions and millions. We’re on a curve where basically everybody in the world will have written a book or a song or made a video, on average (..)  
YouTube videos are viewed more than 12 billion times in a single month. The most viewed videos have been watched several billion times each, more than any blockbuster movie. More than 100 million short video clips with very small audiences are shared to the net every day. Judged merely by volume and the amount of attention the videos collectively garner, these clips are now the center of our culture.”
Não entrando sequer naquele "todo o mundo", que deixa fora uma gigantesca divisão digital, eu pergunto, no caso do texto, como relacionar os triliões de carácteres escritos por milhões de nós no Facebook, Twitter ou Instagram com a meia-dúzia de livros que permanecem para a posteridade em cada ano? Em que que é que diferem as câmaras e computadores para filmar e montar um filme e colocá-lo na nuvem, e as canetas ou computadores para escrever, dos filmes e livros que valem a pena manter vivos na nossa memória? Não é com certeza a tecnologia, essa é irrelevante, não será antes a capacidade de cada humano de criar usando essas ferramentas, dependente do talento e de anos e anos de investimento e esforço na aprendizagem da literacia da arte? Mas isso é irrelevante para alguém que pouco à frente, quando fala em literacia é apenas para definir técnicas de citação, de cortar e copiar, e acaba com esta brilhante frase:
“These tools, more than just reading, are the foundations of literacy.” 
Toda a forma como vai falando sobre política, comunicação, media, atrevendo-se até a falar de identidade, é atroz pela simples razão de que consegue apenas ver um lado da equação, o da tecnologia, esquecendo que para que a tecnologia funcione são precisos humanos que a adoptem. Mas isto é algo enraizado, veja-se a discussão sobre o futuro da Realidade Virtual, dá pena ver como tendo Kelly estado lá, na génese em 1989, passados 30 anos pouco aprendeu sobre a mesma, ou melhor, sobre os humanos que supostamente a deveriam usar. Porque se a tecnologia é teoricamente fantástica, o tempo e o uso mostrou que os humanos não estão interessados nela porque existem uma quantidade de barreiras psicológicas ao seu uso. No entanto gasta páginas e páginas a discutir o que a VR nos vai trazer, fala do hipertexto e hipermedia como se estivessem para chegar, parecendo amiúde estar a escrever em 1995. Talvez isto não seja propriamente alheio à vida pessoal de Kelly, alguém que passa o tempo a teorizar sobre o futuro tecnológico, mas depois se regozija por não usar nenhuma dessas tecnologias. Diz-nos que o seu trabalho é experimentar doses mínimas para contar aos outros, como se meras horas de contacto fossem representantes do uso real. No caso dos videojogos que nos traz (ex. Red Dead Redemption 2) nem sequer os experimenta, simplesmente vê os outros a jogar. Dá para rir, se não tiverem pago pelo livro.

Por outro lado, Kelly apresenta um problema clássico, a falta de estudo e análise do trabalho feito por tantos outros antes de si. Não que ele não cite outros, mas a grande maioria não vai além de sites, notícias e wikis. Veja-se o exemplo: ao longo do livro Kelly continuamente afirma o mundo como "líquido", uma característica que fundamenta na tecnologia de digitalização e gestão do produto dessa, do como tudo isso altera o nosso bem-estar. Contudo, não existe uma única referência a Zygmunt Bauman, o criador do conceito "modernidade líquida". Não sei se por desconhecimento, por incompreensão ou simplesmente por vontade de omissão, mas se tivesse parado para confrontar a sua tecnologia líquida com o humano líquido de Bauman, Kelly teria compreendido muitos dos erros que cometeu ao longo de todo este livro.

O mesmo pode ser dito da total alucinação que acontece quando chegamos ao capítulo 10, "Tracking", em que Kelly escreve o seguinte:
Ubiquitous surveillance is inevitable. Since we cannot stop the system from tracking, we can only make the relationships more symmetrical.”
Não bastava a barbaridade de afirmar que a vigilância total é inevitável, como vai mais longe, e propõe como modo de combater os seus problemas, que todos saibamos o mesmo uns sobre os outros, incluindo empresas e estados. Vamos esquecer a encriptação porque as passwords não protegem nada, e vamos ser todos transparentes. Isto é tão insano que nem sei por onde começar, porque isto representa um enorme potencial de problemas para a identidade humana. Se eliminarmos os redutos em que a identidade pode crescer e florescer na sua privacidade individual, teremos apenas um amontoado de massa homogénea, que como sabemos tenderá para a frustração. Mas isto nem sequer é o maior problema, o que poderiam fazer aqueles que nos querem mal tendo acesso a todo esse conhecimento, não apenas nós indivíduos, mas a empresas e a estados? Kelly sente-se muito orgulhoso por defender Snowden e depois baseia quase todas as suas conclusões no bom funcionamento da impossibilidade de anonimato no Facebook, como se isso fosse uma panaceia para tudo. Como se as empresas em vez de competir entre elas colaborassem e fossem amigas, dispostas a perder umas para outras, mesmo que isso implicasse perder acionistas ou ter de despedir trabalhadores. Como se as pessoas se sentissem felizes por ver os outros, na mesma condição que eles, a ganhar mais porque são primos ou enteados. No fundo, como se o mundo fosse um mero sistema computacional, e as regras societais apenas algoritmos, bastando aperfeiçoar os algoritmos e tornar o código aberto, para eliminar todos os bugs, todos os problemas.

setembro 22, 2019

Gratuito, Gratuito mas só em Parte, Premium

Durante anos foi-se vendendo a ilusão do Software Livre como se fosse a coisa mais óbvia e natural, partindo da ingenuidade redutora — se não custa a copiar, não se deve vender — como se o software uma vez criado não precisasse de contínua Manutenção, ao que se acrescentam necessariamente custos ainda mais elevados de Inovação. A manutenção é inevitável porque o software funciona num ambiente altamente dinâmico, seja o sistema operativo ou a internet, e é preciso continuamente adaptar o mesmo. A inovação, porque o modo de fazer hoje, está sempre limitado ao mundo que conhecemos hoje, com o passar do tempo aprendemos a fazer de formas diferentes, e o software ou reflete isso ou torna-se irrelevante. Mas a verdade está cada vez mais à vista.


Esta semana iniciámos mais um Laboratório com os alunos, no qual este têm de criar um Blog e mantê-lo ativo durante 14 semanas, e de repente tenho vários alunos a chamar-me porque o Wordpress não é gratuito!!! Incrédulo, lá estive a explorar, e acabei percebendo que o continuava sendo, mas a forma de criar um novo blog gratuito tinha deixado de ser o principal modo presente na interface. Ou seja, depois de iniciar o processo, o Wordpress volta a trazer o utilizador ao ecrã inicial em que se mostram os planos de pagamento, ficando no topo um pequeno botão com um texto nada claro, e por baixo botões enormes, um com a menção "Pessoal" e que sendo o primeiro parece inevitável, e um segundo que surge destacado e com a menção "Popular", o que com certeza acaba a induzir muitos em erro e a pagar. A sensação foi estranha, durante mais de uma década a ouvir os meus colegas dizerem-me que não usavam Blogger, como eu continuo a utilizar, porque o Wordpress é que era verdadeiro software livre.

Mas surpreso não fiquei. Para a organização da Videojogos 2019, estou a utilizar a plataforma gratuita EasyChair. Quando criei a conta este ano, senti a linguagem e algumas chamadas de atenção estranhas, claramente no sentido de exercer controlo sobre a nossa ação. Pouco depois percebi que existiam duas versões, uma gratuita e uma paga, com claras diferenças, mas sem grande impacto para uma conferência pequena como a nossa, mas se esta fosse um pouco maior já se tornaria quase inutilizável sem pagamento. Mesmo no nosso caso, não raras vezes dou por mim a pedir informação ou a querer fazer coisas que a plataforma me diz estarem apenas acessíveis a quem paga o Premium.

Como disse acima, isto é normal porque para este software existir têm de existir dezenas ou centenas de profissionais por detrás a mantê-lo e a inová-lo. Mas o que não é normal é durante décadas se ter propagandeado e alardeado a importância do Software Livre, do Open Source, da Informação que quer ser Livre, da severa crítica online contra os Jornais que fechavam os conteúdos, das editoras que exigiam dinheiro pela música e filmes, etc. etc. Aqui dentro também se inclui os jornais académicos ditos "free", que de grátis não têm nada, pois vivem à custa do esforço de cada um dos editores que deixa de fazer o trabalho para que lhe pagam para editar esses jornais (não defendendo com isto os modelos gananciosos das grandes editoras).

O que vamos vendo hoje é quase todo o jornalismo a fechar-se e a exigir pagamento, assim como muitos dos produtos que eram Free a tornarem-se Freemium ou Free to Play, usando da manipulação e persuasão para levar os utilizadores a comprar e a pagar, por vezes de formas bastante abusivas como vem acontecendo nalguns videojogos com as chamadas Loot Boxes. As alternativas existem apenas quando existe outro alguém que pague, como acontece com a Google que faz tanto dinheiro em publicidade que pode disponibilizar um dos serviços mais caros de toda a internet o YouTube. Ou  então instituições que se suportam em verbas oferecidas pela comunidade como a Wikipedia. Ou ainda em conjuntos de instituições que se juntam para suportar as aplicações, como acontece com Universidades, Institutos, ou Empresas. No fundo, o grátis nunca existiu, nunca ninguém teve direito a almoços grátis.

Contudo, parece-me que estamos finalmente a chegar a um ponto em que a internet e o virtual assumiram a mesma importância do objeto físico, porque as pessoas necessitam dela e dos seus objetos, já não podem fazer as suas vidas sem estes, e por isso pagar tornou-se menos penoso. Se aquilo que faço requer aquele produto, e ele me traz benefício, aceito mais facilmente pagar. Mas talvez mais importante seja o facto destes objetos virtuais — ferramenta, informação ou jogo — terem deixado de ser meros substitutos ou complementos de objetos físicos que já temos ou podemos ter nas nossas mãos, como acontecia anteriormente com o jornal, os CDs, os filmes, etc. etc.

novembro 12, 2018

Sobre o futuro do professor

Na semana passada participei no encontro internacional VPCT2018 – A voz dos professores de C&T, para o qual fui convidado para falar das tecnologias que o futuro reserva ao professor de C&T, e dar conta das necessidades atuais e futuras na preparação dos professores. Participei num primeiro momento, 8 novembro, numa mesa redonda com os professores Jaime Carvalho Silva e Niza Costa, onde apresentei um mapeamento das tecnologias que já estão presentes na sala de aula, as do futuro imediato, e as mais futuristas, tudo num único mapa que aqui deixo.


No segundo dia, 9 novembro, apresentei a keynote "Complementaridade Tecnológica e o Fator Humano", na qual procurei refletir sobre o estado atual e próximo em termos tecnológicos, tendo em contas as necessidades de competências dos alunos, e aquilo que poderá fazer a diferença para o professor de C&T na relação com as próximas gerações. Deixo aqui os slides dessa keynote.

outubro 20, 2018

Algoritmo Mestre

Confesso que parti para "The Master Algorithm" (2015) com várias reservas: a primeira prendia-se com a dificuldade de trazer um assunto desta complexidade para uma discussão leiga; a segunda tinha que ver com a minha desconfiança sobre a possibilidade efetiva de se criar um algoritmo único, de tudo capaz. No final do livro tenho de dizer que Pedro Domingos, professor na Universidade de Washington, fez um belíssimo trabalho, não só o livro é acessível como nos abre o apetite para o tema. O que mais gostei, e acaba sendo o cerne do livro, foi da descrição das metodologias que estão a ser seguidas para que a máquina possa aprender, não por serem exóticas mas antes pelo contrário, por responderem por métodos que nós próprios, humanos, também temos vindo a utilizar para construir conhecimento.


Domingos abre o livro com uma constatação que por mais óbvia que seja nos continua a surpreender, o Machine Learning (ML) já faz parte das nossas vidas, e muito daquilo que fazemos no nosso dia-a-dia já é controlado por ele. Desde o modo como pesquisamos e encontramos livros na Amazon e filmes no Netflix, às informações e notícias que vão surgindo no feed do nosso Facebook ou Instagram, aos sites e links que o Google nos indica em cada pesquisa. Onde existirem bases de dados  grandes, o ML estará lá a trabalhar para nós. Enquanto espécie animal somos a espécie mais inteligente no planeta, contudo no que toca a processar dados, em volume e rapidez, temos poucas ou nenhumas hipóteses com os algoritmos processados por máquinas.

Domingos começa por discutir as diferentes fases do processamento do conhecimento no nosso planeta — "Evolução", "Experiência" e a "Cultura". A evolução deu-nos o DNA, o primeiro modo de construção de conhecimento no planeta, capaz de codificar vida. Seguiram-se os neurónios que codificavam toda a experiência percetiva em conhecimento que podia ser re-utilizado para navegar no planeta. Na terceira fase surge então a cultura, ou seja, a produção de conhecimento pelo ser humano. Domingos refere que cada uma destas fases foi sempre muito mais rápida que a anterior, apresentando de seguida, aquilo que considera ser uma 4ª fase, a do conhecimento produzido pelos computadores. Esta última fase levantou-me algumas dúvidas. Ou seja, considero que só poderemos colocar na equação de produtores de conhecimento os computadores, no momento em que eles nos começarem a dar conhecimento original. É verdade que os últimos sistemas desenvolvidos para jogar Go ou Xadrez, têm apresentado jogadas completamente novas, e momentos de criatividade em nada semelhantes ao que conhecíamos no humano, contudo parece-me que ainda é cedo para considerarmos estes resultados como inovação própria, ou externa ao humano. Ou seja, o que temos para já, do meu ponto de vista, ainda é conhecimento produzido por meio de ferramentas que são parte da Cultura. Veremos como evolui depois tudo.

Domingos diz-nos que cada nível destes representou sempre aumento de velocidade na produção de novo conhecimento.

Domingos prossegue a discussão apresentando então as 5 grandes metodologias para descobrir o conhecimento que hoje estão a ser utilizadas pelos criadores de ML: "Symbolists, Connectionists, Evolutionaires, Bayesians, Analogizers". O livro dedica uma secção completa a cada área, e aqui tenho de dizer que nem sempre foi fácil seguir Domingos, mas também porque não quis dedicar o tempo suficiente que cada uma das secções requereria se eu estivesse verdadeiramente motivado para aprofundar o estudo do ML. Se a motivação e a necessidade estiverem presente, o livro com mais algumas pequenas pesquisas na web poderá ser fundamental para ajudar quem deseje entrar no domínio. Aproveito para deixar aqui a abordagem proposta por cada uma das 5 variantes:

1. Symbolists - Logic - Inverse Deduction
Busca por preencher as falhas no conhecimento existente. Começa-se por um conjunto de premissas e conclusões e faz-se dedução invertida para tentar descobrir o que falta.

2. Connectionists - Neuroscience - Backpropagation
Emulação do cérebro, também conhecido por "deep learning", em que se criam redes artificiais de neurónios que desencadeiam relações a partir das conexões.

3. Evolutionaires - Evoluationary Biology - Genetic Programming
Simulação da evolução, busca-se emular o funcionamento e lógicas do DNA.

4. Bayesians - Statistics - Probabilistic inference
Redução Sistemática de Incerteza, utilizando a probabilística.

5. Analogizers - Psychology - Kernel machines
A busca de semelhanças entre anterior e atual, com vários modelos para encontrar as semelhanças.

Esquema retirado da rede.

Como podemos ver, estes são alguns dos métodos que temos utilizado para produzir conhecimento sobre a realidade e que estão agora ao serviço das máquinas. O desejo dos investigadores da área, de construir um algoritmo mestre que possa de algum modo construir os seus próprios métodos de aprendizagem, não é mais do que a singularidade discutida por Ray Kurweil, correspondente a um dos maiores medos da nossa espécie. O momento em que as máquinas se tornem conscientes e passem a ser como nós, ou pior ainda, nos ultrapassem, seguindo o "Homo Deus" de Harari. Domingos é bastante otimista neste sentido, e diz ter dúvidas sobre essa possibilidade. O principal argumento que apresenta é a "falta de vontade" da máquina. Diria que há alguns anos teria concordado, hoje não. A vontade não é algo não implementável, menos ainda num sistema autónomo com capacidade para aprender. Se existe algo que não vai faltar às máquinas é a vontade, porque implementadas as necessárias rotinas para continuar a aprender, elas tenderão a incutir vontade. E não faltam notícias (1, 2) nos últimos anos sobre situações destas, em que os sistemas de ML desatam a realizar coisas inesperadas, seguindo aquilo que a sua aprendizagem os vai motivando a fazer.

Para quem quiser entrar desde já nesta discussão sem ter de esperar pelo livro, o Pedro Domingos fez uma comunicação na Google muito boa, na qual resume todo o livro em 50 minutos. Aconselho vivamente e deixo-a aqui abaixo.

Pedro Domingos "The Master Algorithm" (2015) na Google

janeiro 29, 2018

Projetual sim, mas não em modo exclusivo

"Lifelong Kindergarten" (2017) é o mais recente livro de Mitchel Resnick, professor do MIT Media Lab e criador do Scratch, sobre o qual devo começar por dizer que não é um livro de ciência, é um livro de divulgação de ciência. Neste sentido, e apesar de ter o selo da MIT Press, vem juntar-se ao livro “Whiplash” (2016) de Joi Ito (diretor do MIT Media Lab), que também se foca mais no dar a conhecer e menos nos fundamentos. Seguem ambos um mesmo padrão: escrita leve, escorreita, sintética, que podemos ler muito rapidamente para conhecer contornos gerais. Contudo, se tive críticas a apontar a Joi Ito, Resnick não passa incólume, não por seguir a mesma abordagem de divulgação, mas antes pela filosofia de base que suporta o que dizem, e que apresentam ambos, como se fossem caminhos únicos, sem alternativa, que todos deveríamos seguir. Também não será aqui, num texto de blog, que poderei desmontar e contra-argumentar, estou a escrever artigos mais longos ligados ao assunto, que mais tarde aqui darei conta, mas para já deixo algumas das linhas gerais suscitadas por esta leitura.


Começando pelo melhor, temos um sumário do trabalho de Resnick, daquilo que veio a dar-nos o Scratch, não apenas a ferramenta, mas a Comunidade Scratch, que é o culminar de um esforço iniciado por Papert há quase 40 anos, que Resnick soube muito bem continuar. Deste modo, talvez o mais importante do livro seja a apresentação e discussão, que perpassa todo o livro, sobre a criação e gestão das Computer Clubhouses, ou seja os clubes em que as crianças aprendem a programar, entre outras atividades ligadas às tecnologias. A filosofia de base é o melhor do livro, professa a visão de Resnick, que não sendo nova, pode e deve servir àqueles que desejem enveredar por este tipo de associações ou grupos de aprendizagem. Tenho sido um seguidor de Papert e Resnick desde sempre, e muito do meu fascínio com o seu trabalho está ligado à filosofia que suporta estas comunidades de crianças e que assenta no brincar, no aprender fazendo, no colaborativo e na partilha.

As "computer clubhouses" de que Resnick fala surgiram com as primeiras comunidades de hackers de informática, mas nunca desapareceram, antes se diversificaram, existindo hoje não apenas os clubes, mas também os eventos de congregação como as Hackathons, Codefests ou Game Jams.

Indo agora ao pior, ou o problema que tanto me incomodou: a monodirecionalidade da abordagem, que acaba parecendo-se mais com uma religião, com as suas crenças de que é possível fazer tudo com o mesmo “martelo”, mesmo quando se reconhece que as crianças são todas diferentes. Resnick reconhece as diferenças entre crianças mas não reconhece a diferença entre métodos de ensino, e isso é um problema grave. Não porque não os conheça, mas simplesmente opta por ignorar os mesmos, e defender o seu modelo como caminho único. O elefante no meio da sala de Resnick, é a defesa intransigente do construcionismo quando sabemos que nem todos os conteúdos são adaptáveis a essa abordagem de ensino. Quando sabemos que a forma e a estrutura é apenas uma parte de um todo, que tem de ter um conteúdo e um significado. Pensar que se pode ensinar tudo por meio de estratégias projetuais é no mínimo ingénuo.

Só que o problema agrava-se, e bastante, quando Resnick chega ao seu 4º e último “P”, o do “Play”. Para suportar a sua preferência pelo conceito de “playfulness” em vez de “play”, Resnick vai suportar-se nas vivências de Anne Frank durante o tempo em que esteve presa. Considero este momento marcante em toda a leitura, porque dá conta do paradoxo apresentado ao longo de todo o livro. Resnick diz-nos que aprendeu mais sobre o conceito de Play a partir da visita que fez à casa de Anne Frank, em Amesterdão, do que a partir da conferência sobre tecnologias de videojogos em que estava a participar nessa cidade. Pode parecer uma banalidade, e até pode parecer suportar a ideia que o autor quer defender, mas contém a essência da limitação da abordagem construcionista.

Ou seja, Resnick não chega à compreensão do conceito abstrato de Play por meio da construção de projetos, mas por meio da leitura que fez do livro de Anne Frank, por meio da exposição aos sentires, preocupações, enfados, e essencialmente pela descrições que ela realiza nesse livro e nos permitem ficar a conhecer a sua personalidade. Mas é ainda mais grave, porque Resnick foge à essência da base educativa fornecida pelos pais de Anne Frank. Resnick foca-se no modo como Anne passava o tempo encetando projetos para entreter o tempo, a sua atitude brincalhona, e em nenhum momento faz referência às centenas de livros que Anne Frank, a irmã e os pais liam. Sim, porque Anne Frank só escreveu o livro que escreveu, porque lia muito, muito mesmo. E se tinha uma imaginação fértil, era porque esta era alimentada com o mundo que lhe entrava pelas janelas dessas páginas. Se Anne Frank tivesse sido educada na base do método aqui apresentado por Resnick, exclusivamente assente na realização de projetos, nunca se teria tornado na escritora que ainda conseguiu ser antes de desaparecer prematuramente.

Eu faço referência a isto porque já tinha acontecido alguns capítulos antes, quando se compara o Scratch com uma caneta que permite expressar ideias (a comparação é boa, o problema é a base). Resnick fala na necessidade de treinar a escrita, de treinar a comunicação, mas nunca refere a necessidade de ler, ler para conhecer factos, conhecer mundo, para poder expressar algo significativo. Porque essa é a essência dos problemas de muito daquilo que se pretende rotular de criativo. Criar não é apenas estrutura, dar forma, “pôr a funcionar” ou “pôr bonito”, criar é dar sentido à realidade. Basta olhar para os primórdios do Cinema e ver os filmes feitos por engenheiros, ou uma boa parte dos jogos digitais ainda hoje criados por equipas constituídas exclusivamente por informáticos, para compreender que não chega ser capaz de fazer, nem fazer bem. Até mesmo na literatura, basta ver o que fazem autores como Pedro Chagas Freitas, que escrevem centenas de livros e ainda dão workshops de escrita criativa. Se não existe conteúdo para colocar dentro, não existe comunicação. Quem não é exposto e confrontado com os sentires do mundo, quem não consome, analisa, discute e critica, não cria verdadeiramente.

Dito tudo isto, deixei o texto parado para refletir sobre o que tinha escrito, o que me obrigou a repensar o que tinha escrito, dado o enquadramento geral da área da Educação. Na realidade, a discussão em redor da aprendizagem é um território terrível no qual as trincheiras estão muito bem definidas, e não existe muito espaço para o meio-termo. Se Resnick discursa desta maneira não é por acaso, ele tem razão na maior parte do que diz, e não diz nada de errado, apenas omite o outro lado. E omite porque nesse outro lado, existe um conjunto de ideólogos prontos a disparar a todo o momento. Em Portugal isto é bem conhecido, apresentam-se como demonizadores daquilo que eles definem como “Eduquês”, o seu maior expoente, Nuno Crato, chegou mesmo a Ministro da Educação, e vimos no que deu. No entanto, depois de quase escorraçado, e ter passado por um pequeno período de silêncio, ainda por estes dias voltou a dar um ar da sua graça, lançando fel no texto: “Eles hoje aprendem de maneira diferente… Ah é?!”.

Para fechar. Sou grande defensor da abordagem projetual, e continuarei a ser, só não quero é que esse caminho seja visto como exclusivo. Esta abordagem para funcionar plenamente, e permitir a criatividade brotar com sentido, precisa de ser suportada por muita exposição e confrontação de ideias. No fundo é aquilo que já hoje usamos nas nossas universidades, que distingue aulas teóricas de teórico-praticas e laboratoriais. O trabalho projetual é essencial para que o aluno cresça, ganhe autonomia, colabore com os pares e desenvolva competências, mas antes disso acontecer tem de ser exposto aos múltiplos conceitos teórico-abstractos do domínio.

janeiro 11, 2018

Cowboys Youtubers

O Nuno Markl já tinha colocado o dedo na ferida, agora foi a vez da Ana Galvão falar do incómodo sentido com os chamados YouTubers. Não todos, não são os que falam de livros, viagens, cinema, moda, maquilhagem, e muito mais, são uma pequena minoria, que não falam de nada, que apenas gritam, disparam asneiras em modo automático, insultando tudo e todos. Mas porquê falar disto quando a rede de internet é um espaço aberto, e vivemos num país que preza a liberdade de expressão? Porque temos um problema.


1 - Existe um excesso de policiamento do politicamente correto em tudo o que é media, cultura e política. Contudo no mundo do YouTube é o vale tudo, verdadeiro “faroeste”, ninguém controla, nem ninguém quer saber. Ou talvez não seja bem assim…

2 - Porque sendo mau, podíamos viver com esses cowboys na rede da Google. O problema só se agrava porque este faroeste não está ali contido, passou para a realidade do nosso quotidiano, desde logo porque existem marcas a patrocinar estes “cowboys”. Ou seja, as marcas consideram aceitável o que eles fazem, e pagam. Marcas de todos os níveis, desde produtos a espaços, como revistas dedicadas, e até “livros”, mas também Comic Cons e Centros Comerciais que promovem todo o tipo de contacto no mundo exterior ao YouTube. São estes que ao oferecer palco mediático lhes limpam a imagem, e os tornam iguais a qualquer outra celebridade.

3 - Agrava-se porque o público dos "cowboys youtubers", está bem definido, e não é um nicho, é a massa de crianças dos 8 aos 13 anos, que mesmo que não tenha conhecimento ao navegar na rede, é levada a conhecer, pelo fator de pressão social a que estão expostos nas nossas escolas. Não podemos esquecer que são um público em idades de formação, logo com um sentido crítico muito residual. Daí que o rótulo de celebridade oferecido pela sociedade só pode levar a que as crianças que seguem estes cowboys percam as balizas do que é e não é aceitável.

3 - Porque, além das marcas, temos os pais que acarinham estes Youtubers, muito provavelmente sem o saberem, porque não se levantam e não reagem, mas pior do que isso, fazem fila com os filhos para ir buscar um autógrafo, porque pelos filhos tudo vale a pena, e um "cowboy" de olhos azuis e ar lavado, bonitinho, não pode ser uma má influência.

4 - E quarto e último, os restantes media. Sendo altamente críticos de todos aqueles que ousam passar a linha noutros meios, têm ignorado totalmente o problema, não se discute, não se fala, faz-se de conta que não existe um elefante enorme na casa dos portugueses. Sim, porque não se pode só esperar que sejam os pais a alertar para o problema, é preciso criar conhecimento e sentimento na comunidade sobre o que se passa ali. Afinal para que servem os Órgãos de Comunicação, são ou não garante da Democracia?


Ou seja, a culpa não é dos Youtubers, é da sociedade que não se levanta para tecer qualquer crítica. Sei bem que muito por receio do novo, do desconhecido, com medo de meter o pé na argola. O próprio Markl quando falou disto pela primeira vez, foi imensamente atacado. Mas a verdade é que os nossos filhos estão muitas vezes sentados no sofá, ao nosso lado, de fones nos ouvidos, olhos vidrados no pequeno monitor do telemóvel, a ver algo que nunca permitiríamos que vissem no grande ecrã da sala.

Vi entretanto que o Markl escreveu, por estes dias, um novo post de revolta contra estes Youtubers, e acabou com a possibilidade do seu filho continuar a seguir os Youtubers. Se inicialmente tinha lançado o alerta, agora fechou de vez a porta. Parece ser um primeiro passo para uma mudança da perceção na sociedade.

dezembro 08, 2017

Pode a IA dar-nos melhor literatura?

Stephen Marche é um escritor canadiano com obra publicada e reconhecida, dedicando uma boa parte do seu trabalho à escrita de artigos e histórias para a Esquired, L.A. Review of Books, Wired, The Guardian, New York Times, entre muitas outras publicações internacionais. No meio de toda essa atividade, e como diz, estando atento ao desenvolvimentos computacionais, nomeadamente da IA, resolveu criar uma história com a ajuda de um desses programas de IA, na expectativa de conseguir criar algo nunca visto. A história é publicada na Wired deste mês, e no final conta com a análise de dois editores de topo.


O programa utilizado foi desenvolvido por dois investigadores da Universidade de Toronto, Adam Hammond na área das Humanidades Digitais, e Julian Brooke na área das Ciências da Computação. A aplicação consiste num comparador de histórias, baseado em estruturas e estilo, usando técnicas de "machine learning", como o "topic modelling", para sugerir e guiar o escritor no seu processo de escrita. Pode-se assim ir escrevendo bocados de texto e obtendo comparações com os textos existentes a vários níveis, desde o simples uso das palavras, a estrutura frásica, os nós narrativos, chegando assim aos estilos de artistas reconhecidos. Marche utilizou a ferramenta para otimizar o seu trabalho criativo, tendo utilizado como base de suporte à máquina, alguns textos de referência de grandes autores da ficção-científica — Ursula K. Le Guin, Philip K. Dick e Ray Bradbury. O resultado pode agora ser lido na Wired.

O género literário da FC não é muito exigente em termos de escrita, os seus autores são mais reconhecidos pelos universos que criam do que pela beleza da sua prosa. Daí que encetar um esforço destes na área da FC poderia ser um bom ponto de partida, contudo da leitura do texto percebemos que o resultado acaba por ficar bastante aquém. Vale a pena ler as notas que Marche faz na lateral do texto, explicando as interações com a máquina, para ir percebendo o processo e o input da máquina num texto, que ainda assim conta com imensa mão humana.

Se dúvida houvesse quanto à qualidade, fica a primeira impressão de Andy Ward, editor da Random House, que não sabendo nada sobre o origem da história, diz tudo sobre o caminho longo que a IA ainda terá de percorrer:
“Full of unnecessary detail, wooden, implausible dialog (Who talks like this?), and sentences that don’t actually hold up when you read them carefully. They seem like they hold up, but they don’t. It’s aimless. It uses language to describe things rather than reveal them (flowing “brightly and glamorously,” etc.). That stuff doesn’t sound human—or, better, doesn’t sound writerly. Feels like words on a page.” 
Andy Ward, editor da Random House 

dezembro 02, 2017

O futuro do Audiovisual

No ano passado, uma equipa do motor de jogo Unity apresentou uma curta na Game Developers Conference 2016, intitulada "Adam: Episode 1" (2016). O impacto passou da conferência para a rede, deixando todos boquiabertos. A história tinha mistério, a intriga lançava múltiplas questões, mas foi o impacto do realismo da animação e da cinematografia, tudo renderizado em tempo-real, que mais impactou a comunidade. Algo completamente impensável pouco anos antes, o puro cinema virtual que Gaeta vinha falando. Se tudo isto já seria mais do que suficiente para o nosso espanto, a Unity resolveu adotar uma estratégia criada antes pela Blender com o seu modelo de Open Movies, e colocou online, de modo livre, todos os materiais utilizados no desenvolvimento do projeto, permitindo assim a quem o desejasse, continuar o mesmo. Como cereja no topo do bolo, quem resolveu pegar no projeto foi nada menos que Neill Blomkamp, o realizador sul-africano, que se internacionalizou com "District 9" (2009), tendo depois disso criado dois blockbusters, "Elysium" e "Chappie", sempre no género de ficção-científica.



Num qualquer momento do nosso futuro, começaram a retirar os corpos biológicos aos prisioneiros, e a carregar os seus seres em corpos de robôs.

Este pequeno resumo é suficientemente impressionante, tendo tudo para lançar discussões infindáveis sobre o futuro do cinema e audiovisual, sobre os seus aspetos relacionados com atores, cinematografia, tecnologia, vfx, mas também direitos de autor, entre muitas outras questões. Contudo, se fiz este post não foi tanto para discutir esses detalhes, que já não são novos no mundo das tecnologias 3d audiovisuais, mas antes para falar do que se seguiu a "Adam". Se o primeiro episódio criado pela equipa do Unity, que lançava a premissa, era instigante, os dois novos episódios — "Adam: The Mirror (episode 2)" e "Adam: Episode 3" — criados por Blomkamp, não ficaram nada atrás, antes pelo contrário, elevaram o nível para esmagador, verdadeiramente provocantes.

Aconselho vivamente verem os 3 episódios seguidos, mas preparem-se para a montanha-russa de sensações em cada um dos episódios. Não são questões novas para quem segue o trabalho de Blomkamp, contudo o facto de estar imensamente bem conseguido, aliado ainda ao facto de estarmos a ver algo criado em tempo-real, tudo ajuda na intensificação das sensações, e do reconhecimento. Se o primeiro e o segundo nos fazem pensar em "AI: Artificial Intelligence" (2001) ou "SOMA" (2015), este terceiro parece querer atirar-nos para os universos gótico-religiosos da série "Alien", particularmente do último "Covenant" (2017).


"Adam: Episode 1" (2016)

"Adam: Mirror (episode 2)" (2017)

"Adam: Episode 3" (2017)