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abril 09, 2015

“Way to Go”, uma viagem interativa sensorial

Mas que experiência mais deliciosamente interativa acabei de experienciar com a obra interativa “Way to Go” (2015). Criada pelo estúdio AATOAA, produzida pelo National Film Board of Canada e co-produzida pela France Televisions, “Way to Go” é o mais recente trabalho interativo da equipa que já nos tinha dado o genial “Bla Bla” (2011). O multi-premiado realizador Vincent Morisset tem-se afirmado como grande defensor da arte interativa, sendo mesmo um dos assinantes do Digital Storytelling Manifesto, mas nem por isso deixa de desenvolver trabalho não-interactivo como são os casos dos documentários para os Sigur Ros e Arcade Fire, o que demonstra que o seu interesse está centrado na expressividade e não na mera exploração tecnológica.




Way to Go” é um trabalho de enorme qualidade artística, nomeadamente pelo seu carácter único conseguido nos domínios visual, sonoro e expressivo. "Way to go" foi criado a partir da captura de vídeo a 360º que é depois animado e mesclado com personagens 2d e 3d, a que se justapõe uma interatividade minimal baseada no mero ato de caminhar (com variações de correr, saltar e voar) no espaço. O cenário base é uma floresta que se vai transformando por via de filtros visuais, dando por vezes lugar a espaços abertos ou montanhosos. Os personagens apesar de meras abstracções de folha de papel, são fortemente enriquecidas em linguagem não-verbal capazes de operar a necessária ligação empática com os interatores. No campo sonoro o trabalho composto por Philippe Lambert funciona em articulação com as necessidades da interactividade, sendo capaz de gerar ritmos que nos motivam "a ir atrás".

Way to Go” é uma experiência brutalmente sensorial, dificilmente conseguimos extrair significado directo do que se experimenta, isso fica a cargo de cada um, elaborar sobre o mundo audiovisual interactivo que lhe é dado a vivenciar, criando padrões a partir da estimulação dos seus próprios esquemas mentais. Mas enquanto incentivo sensório "Way to go" funciona muitíssimo bem, essencialmente porque opera a interactividade de forma estimulante, motivando-nos a agir, a interagir, a desejar mais, a querer saber o que está por detrás de tudo o que vemos, ouvimos e sentimos e por isso vamos atrás, não nos rendemos, mesmo quando o "The End" surje na nossa frente, permanecemos ali com a vontade de continuar a experienciar aquele espaço-mundo.



Em essência esta obra consegue envolver-nos por dois grandes motivos, a interacção com a música e com os personagens. Os personagens, como disse acima, são ricos em expressividade o que garante o nosso elo de ligação emocional ao objecto, mais ainda quando estes nos conseguem surpreender ao longo da experiência. Existem dois ou três momentos do mais puro deleite em que os personagens "fogem" ao nosso controlo e ficamos ali totalmente surpresos, imersos, abismados com a qualidade do jogo de interação desenhado. Por outro lado a sonorização ou musicalização do espaço está tão bem conseguida que eu diria que o modo como interajo é muitas vezes realizado em função de seguir a pista sonora. Não que em outros momentos, não esqueça a faixa sonora, parando para contemplar visualmente o que me é dado a sorver, nomeadamente quando chego a cada novo ambiente.




"Way to go" é uma obra interactiva, podemos dizer que é videojogo, mas não somos obrigados a tal. É evidente que o mundo dos videojogos sendo tão rico, e o maior responsável pela evolução da linguagem interactiva, está aqui presente como nenhum outro meio. É o próprio Vincent Morrissey que diz que a grande influência adveio de "Sword and Sworcery" (2011), assim como "Journey" (2012), embora eu apostasse mais em "Dear Esther" (2012) ou "Proteus" (2013). Não é apenas pelo crácter limitado da interacção, navegação tridimensional sem manipulação, mas pelo que brota da experiência, embora partindo de tecnologias muito diferentes, e abordagens conceptuais também muito distintas, julgo que "Way to Go" aproxima-se bastante do universo explorado por "Proteus".

Para quem desejar entender melhor aquilo que se pode experimentar em "Way to Go", nomeadamente comparar as suas impressões com as ideias que conduziram o autor a esta criação, leia-se o excerto abaixo da belíssima entrevista de Vincent Morrissey ao Libération:

"Je suis ornithologue amateur, j’observe les oiseaux depuis que je suis petit. Et j’adore ce moment où tu es dans le bois, les jumelles autour du cou, et pschhh ! Tu as soudain une sorte d’hypersensibilité à ce qui t’entoure. Et puis le lendemain, quand on va au travail, il y a mille détails qui se passent autour de nous mais on ne les voit plus. Je dis une banalité, mais il y a quelque chose là-dedans qui m’anime. Je voulais explorer la notion de l’espace, du temps et notre perception de l’environnement. Comment on se déplace d’un point A à un point B? Quel est l’impact de ce passage sur notre façon de voir les choses, notre état d’esprit à cet instant? Ce à quoi j’ai toujours aspiré avec les projets web, c’est explorer cet intangible, les émotions qui transcendent les histoires et les mots."
"Comme pour Bla Bla, on avait envie d’un truc universel qui transcende les cultures, les langues et les générations, dans lequel tout le monde pourrait se projeter. La forêt a cette qualité d’être familière et mystérieuse à la fois. On se dit : c’est qui ce bonhomme avec son métronome ? Que fait-on ici, quelle est la finalité de l’affaire ? On va à l’encontre du jeu vidéo traditionnel qui donne des objectifs et récompense la performance. Ici, que tu sois un enfant hyperactif ou ma mère, l’expérience fonctionne. Tu peux traîner dans la forêt et t’arrêter tous les deux pas, ou courir comme un malade : ça sera cool dans tous les cas. Tu sautes, tu voles, mais si tu fais une pause tu vas découvrir des petits instants de beauté. Comme si le temps était élastique. On donne l’illusion de se déplacer dans l’espace mais, en réalité, on se déplace dans le temps. On se déplace dans une vidéo que j’ai moi-même filmée, dans mon costume noir. Le trajet est déjà tout tracé. Je trouve très angoissants ces jeux vidéo avec des mondes infinis où on peut aller partout. Ça me fait comme un vertige…" 
Em termos de tecnologias usadas, foi tudo feito para correr directamente em qualquer browser, daí que a base seja o WebGl, socorrendo-se de Javascript, html5, THREE.js e Web Audio API. Existe ainda a particularidade de se poder correr o trabalho directamente em Oculus Rift e assim experienciar tudo isto de uma forma completamente distinta. Já para a produção do trabalho, a lista de necessidades e acções ficou bastante mais extensa do que à partida poderíamos pensar:




  • Dynamic control of 360° videos
  • 83 custom shaders to change in real time lights, grain and visual effects
  • Infinite amount of 3D worlds rendered from drawings on paper
  • Custom system for integration and synchronization of 360° video mappings, 3D environments and 2.5D elements
  • Management and live mixing of thousands of sounds
  • Generative and interactive music score
  • Enveloppes, ADSR, filters and dynamic spacialisation
  • Sound granulation
  • Convolution and reverb
  • Unique techniques for video stiching of 360° shooting in narrow environments
  • Video analysis and tracking system for dynamic integration and creation of heightmaps and 3D scenes
  • Live video stabilization
  • WebVR - Adaptation for the Oculus Rift on a web browser
  • Gamepad API - Game console controllers connection to web browser

Aproveito por fim para vos deixar o prefácio do trabalho, que apesar de estar no site, no canto inferior esquerdo, passa um pouco despercebido, e julgo que vale a pena como leitura de introdução à experiência que vos espera, se decidirem entrar.

"YOU ARE ON YOUR WAY.

Yes, you are on your way.
It is not your first journey but Way to Go is the next journey before you. A walk through strange country - strange, familiar, remembered, forgotten. It is a restless panorama, a disappearing path, a game and a feeling. Way to Go is a small experience that gets bigger as you uncover it.
And the trees will change their shape, and the sky will widen.
And you will fly.
We go away every day. We plunge through the city, skate down roads, tunneling toward a destination without remembering the quests we are on. A journey is a collection of moments - we are here, we are here, we are here, and yet we miss these moments. A journey is a collection of choices - turn here, stop here, choose here, and yet we surrender these choices.
What if we quit surrendering? What if we didn't miss?
Here is a world enclosed in a screen. Here is an adventure. A landscape of leaves and wildflowers, teeming with hidden life. A garden and a wilderness, a wistful blink of dream. You are Jean Painlevé, Marco Polo, Maria Merian. You are Alice, Sonic, Osvaldo Cavandoli. You are a visitor, a cartoon of face and limbs, and you are going on a walk.
Using hand-made animation, music, 360° capture technology and webGL sorcery, Way to Go imagines a dream-world of journeys. Walk, run, fly; crouch in the grass and remember what's hidden all around. Slip like a rumour from one place into another; chase your shadow; listen to the slow pulse of the metronome, black-clad, following in your wake.
Are you alone? Are you not alone? Are you dreaming or awake? Can you ever reach the mountains?
Can you see what's here before you?
Set out through woods and fields, sunlight and aurora, grey and colours.
Set out, in deliberate lucid looking
   and you'll find,
   perhaps,
the present." 
Preface by Sean Michaels

Podem experienciar, de forma completa e gratuita, em Way to go, a duração aproximada da experiência anda à volta dos 6 minutos.

outubro 24, 2013

Literatura Histérica

"Histerical Literature" (2012) de Clayton Cubitt é um trabalho de videoarte absolutamente fascinante. Eu diria que é uma intervenção artística com um potencial de leitura enorme, e que me interessou particularmente pelo que representa em termos das noções científicas de corpo, razão, emoção e consciência. Aliás o próprio nome dado à obra aparece intimamente ligado a um fenómeno médico, da época vitoriana, designado por Histeria Feminina.


Ver cada uma destas mulheres a realizar um esforço de golias para continuar a ler enquanto os seus corpos vibram e as hormonas do prazer procuram tomar conta de toda a esfera consciente, é extremamente impactante no que toca ao conhecimento de nós próprios. Cada uma das sessões coloca em evidência a nossa total incapacidade de controlo do corpo pela mente, e como o corpo consegue literalmente dirigir a nossa mente, subjugando-a às suas necessidades. Por breves momentos os corpos humanos parecem ali totalmente imbuídos de arbítrio próprio, incapazes de obedecer às ordens da mente, gesticulando através de espasmos e reações não planeadas. Dei-me conta entretanto que esta descrição que acabo de fazer, era a descrição usada para definir a pseudo-doença Histeria Feminina.

Noutros tempos diríamos que a emoção toma de assalto a razão, manietando-a e assumindo o total controlo da mente. Mas no século XXI este discurso é pouco correto, e diga-se que o novo conhecimento torna tudo isto ainda mais fascinante. Deste modo o que podemos ver aqui, são os processos não-conscientes que regulam o corpo e possuem acesso direto à nossa imaginação, a assumirem o controlo dos processos conscientes responsáveis por nos garantir o conhecimento da realidade que nos circunda a todo o momento. Ou melhor, assistimos a um desligar da consciência, uma espécie de blackout momentâneo, ou hi-jack, que assim impede o sujeito de continuar a atuar sobre as tarefas que estava a realizar.

Outra questão que se nos pode levantar ao ver estas sessões, é sobre o automatismo ou maquinismo do ser humano. A ideia de que o prazer sexual é ativado por meio de um mero botão físico! Como se não passássemos de marionetas, que podem ser controladas a partir desse tal botão apenas. Ora tudo isto seria assim, se desligássemos a emoção da razão. Mas a verdade, é que todo o processo do orgasmo é feito na maior intimidade entre mente e corpo. Na verdade o corpo não está sozinho no processo, mas entra antes num processo de pura simbiose com os processos mentais das áreas não-conscientes, criando assim as condições necessárias para que o processo atinja o seu objetivo final.

E é exatamente por toda esta ativação da imaginação que o orgasmo é tão importante. O orgasmo está longe de ser uma mera descarga de hormonas que dura breves segundos, mas antes atua sobre todo o nosso universo interior imaginativo. Julgo que esta performance para além de tudo o que disse acima, procura também colocar a sociedade a discutir o orgasmo feminino. Procura tornar a sociedade mais consciente do prazer sexual feminino.


Esteticamente o trabalho de Clayton Cubitt é perfeito. O minimalismo impera na imagem, vemos apenas a pessoa da cintura para cima, fora de plano encontra-se uma assistente que manuseia um vibrador. Por detrás tudo está escuro, e a fotografia opera sob um forte contraste preto e branco. Assim em cada vídeo somos levados a focar-nos completamente sobre a pessoa aí representada, não existindo dispersão com acessórios. Por outro lado o facto de se ter pedido às mulheres que assumissem o máximo de controlo da postura, impede que surjam imagens de pura lascívia que levaria toda a discussão em redor desta obra para outro campo. Aliás nesse sentido compare-se o que temos aqui com os cartazes de Nymphomaniac (2013) de Lars Von Trier.

Deixo-vos com a primeira sessão protagonizada por Stoya. Para ver as restantes e ler mais sobre a obra visite o site do trabalho.


"I hold out as long as I can. This section of the world that I’m inhabiting slows down, zooms in. Like a stretched rubber band it suddenly contracts, and I am lovingly punched with an orgasm…" Stoya