julho 31, 2013

como prospera a nossa mente?

Trago mais uma comunicação de Ken Robinson, que não vem dizer nada de muito novo, mas como ele acaba dizendo, é preciso continuarmos a manifestar o nosso ponto de vista, para lutar contra os paradigmas instalados. Compete-nos a nós fazer com que mais pessoas compreendam o que está mal, e porque está mal, para que aos poucos esses paradigmas possam ser alterados.

How to escape education's death valley (2013) Ken Robinson

Ken Robinson aponta três princípios cruciais para que a mente humana possa prosperar, e que vêm sendo contrariados por vários modelos educacionais, tal como o seguido no sistema português, nomeadamente no consulado de Nuno Crato. Vejamos cada um, e analisemos o que estes modelos têm feito no sentido de os promover ou despromover.

Princípio 1. Os seres humanos são intrinsecamente Diferentes.
O que fizemos? Criámos exames e testes que garantem que todos os alunos saberão o mesmo em cada ano, e afunilámos o saber, restringido-o à Matemática e Português. Poderia ser mais irónico? Os exames deveriam, apenas e só, servir fins de diagnóstico do sistema, não podem servir para punir ou gratificar, não podem ser o centro da escola, não podem ser o fim da vida na escola. Quanto à Matemática e Português, questiono-me, como será possível criar atletas de relevo que nos motivem todos os dias da nossa vida, e artistas de qualidade que nos nos façam imaginar o que poderemos ainda vir a ser, se não dedicarmos espaço à Educação Física e às Artes na escola?

Princípio 2. Os seres humanos são intrinsecamente Curiosos.
O que fizemos? Retirámos a autonomia aos professores para desenhar os currículos das suas aulas, e obrigamo-los a seguir tudo o que é emanado do ministério centralizador. Como é possível despertar a curiosidade de cada um, se falo de igual modo para todos, e exijo o mesmo a cada um? De uma vez por todas, compreendam que a profissão de professor, é uma profissão profundamente criativa. Sim, é verdade. Aquela ideia de que quem não sabe fazer, ensina, é uma grande mentira. Porque saber ensinar, é saber fazer algo de bastante concreto. É desenhar a melhor forma de fazer chegar o conhecimento ao outro. É facilitar a aprendizagem do outro.

"What Teachers Make" banda desenhada de Zen Pencils, baseada na performance de Taylor Mali.

A única forma sustentável de facilitar a aprendizagem, é despertando a curiosidade. Já pararam para pensar porque é que gostam de ir ao cinema, porque é que gostam de ler um livro, ou de seguir uma série na televisão? Simples, porque estes artefactos utilizam a arma mais elementar de atrair a nossa atenção, que é atiçar a nossa curiosidade. Passamos todo o tempo que estamos envolvidos com estes artefactos, a questionar-nos, "o que é vai acontecer a seguir?".

E é por isso que a profissão de professor é altamente criativa, porque este tem de ser capaz de desenhar as suas aulas e os seus materiais, de forma a atiçar a curiosidade, de forma a manter o aluno interessado, para que este não se levante a meio da sessão, desista, e vá embora.

Princípio 3. Os seres humanos são intrinsecamente criativos.
Como é que eu posso despertar a criatividade das nossas crianças, se exigir a todas o mesmo, e se as punir por não serem iguais ao vizinho? Ken Robinson diz,
 "Nós criamos as nossas vidas, e podemos recriá-las enquanto as vivemos. É a prática comum de ser um ser humano. É por isso que a cultura humana é tão interessante, diversa e dinâmica (..) Todos criamos as nossas vidas ao longo deste processo incessante de imaginar alternativas e possibilidades, e esse é um dos papéis da educação, acordar e desenvolver esses poderes da criatividade."

julho 30, 2013

um hino à arte de criar

Foi em tempos tipógrafo, hoje com 97 anos e sérios problemas de visão, cria arte gráfica, com apenas o Microsoft Paint. Muito sinceramente, não sei com que me surpreenda mais, se a idade tão avançada, se a criação de arte visual por alguém com forte debilidade no campo da visão, ou o simples facto de se poder criar algo com qualidade a partir de uma ferramenta como o Paint. Falo de Hal Lasko, do Ohio, EUA.


O computador é aqui uma verdadeira ferramenta de acessibilidade, porque é o simples efeito de permitir o zoom da imagem que possibilita  Hal Lasko continuar a produzir trabalho visual. Ou seja, Lasko trabalha as imagens ao nível do pixel, tal como se produzisse uma ilustração através da técnica de pontilhismo. Claro que para o fazer, e tendo em conta todas as suas limitações de visão e próprias da idade, precisa de imenso tempo, chegando a levar 2 anos para criar uma imagem apenas.




Uma das coisas que mais me impressionou, foi o filho dizer que ele não pára de falar sobre o seu trabalho, que não gosta de ir ao estúdio dele porque depois não consegue sair de lá, o seu pai não pára de lhe mostrar coisas. Isto é deveras impressionante, porque mostra a tenacidade da sua motivação intrínseca. Mas mostra ainda o quão importante é a comunicação na arte. A necessidade do pai mostrar ao seu filho o que faz, e receber feedback, para que faça sentido continuar. Ou seja, a motivação é intrínseca, mas ainda assim precisa de se alimentar. Tal como o filho, o aluno, o aprendiz precisam continuamente de feedback para poder continuar a trilhar o seu caminho.
"he painted on the computer all. the. time. No one knew how important this program would become to Grandpa until he lost some of his vision in 2005 because of wet macular degeneration. Since then Hal has also lost the majority of his hearing. Despite these "setbacks" Grandpa wakes up everyday and is still inspired to create." [fonte]
Só uma motivação tão desmedida como aquela que podemos ver expressa no documentário permitiu que Hal Lasko tivesse claramente evoluído dos primeiros desenhos para os últimos. Podemos notar um claro aumento de complexidade visual, e como o incremento no domínio da técnica acabou por libertar Hal do figurativo realista, permitindo-lhe atingir uma vertente mais impressionista. É um verdadeiro hino à arte de criar.

The Pixel painter (2013) de Josh Bogdan e Ryan Lasko

[via Gizmodo]

julho 29, 2013

a Fé dos Comics

Acabou mais uma Comic-Con, e para quem não pôde estar presente, nada como ver o documentário que Morgan Spurlock fez há dois anos, Comic-Con Episode IV: A Fan's Hope, (2011). É um documentário feito para quem já conhece o evento, não procura dar explicações, antes nos leva adentro do evento através da perspectiva de oito pessoas, que ali vão por motivos diferentes. Desde do vendedor de BD de coleção, aos desenhistas que procuram um lugar na indústria mostrando os seus portefólios, até aos fãs de cosplay que investem todo um ano a construir a melhor máscara.


Na verdade o que me interessava mais neste documentário era compreender porque é que uma convenção de banda desenhada criada nos anos 1970, passou nos anos 2000 para a ribalta, e se tornou num evento que merece a atenção de toda a imprensa mundial. Nisso o documentário é prolífero, desde os fãs de primeira hora que se queixam de que a Comic-Con já não é a Comic-Con, até às enumeras estrela de Hollywood que aproveitem o evento, para autopromoção, e promoção de filmes em cartaz. Tenho poucas dúvidas que para tudo isto terá contribuído imenso todo o sucesso que a Marvel conseguiu nos últimos 10 anos, passando de marca consagrada do mundo da BD, para grande marca de Hollywood.

Mais interessante é perceber porque aconteceu isto com a Marvel, e as razões são várias, embora duas delas me pareçam determinantes: a computação gráfica, e o universo criativo de storytelling. Ou seja, nunca até hoje tinha sido possível passar para o ecrã, de modo "realista" aquilo que tínhamos nas páginas da BD. Só a recente transformação plástica do cinema, que deixou de tratar a realidade através da fotografia, e passou a tratá-la antes como pintura (ver crítica a Hobbit), tornou isto possível. Por outro lado nos últimos anos o cinema vinha acusando falta de histórias, falta de novos universos narrativos, imaginativos e criativos, e o mundo da BD surgiu como um verdadeiro novo fôlego.

Mas a Comic-con não é apenas BD e Cinema, a Comic-con é hoje um evento de congregação e festejo de todas as Artes do Entretenimento, aquilo que alguns denominam de arte popular, ou artes de consumo. De entre as quais os videojogos se destacam por terem assumido um papel determinante em termos de importância financeira na última década. Mas não aceito a ideia de que possam ser artes distintas, que se possam rotular de mero consumo, comercial ou popular, porque são-o tanto como todas as outras. Acredito que o que mais caracteriza este domínio artístico específico, e o distancia das outras formas de arte, é o facto de se assumir como de entretenimento puro e livre de pretensões. É um movimento genuíno, sentido, e acarinhado por toda uma comunidade muito diversificada. Não existem tabus quanto aos temas a ser tratados, mas provavelmente o tema mais comum que podemos encontrar na congregação de todos estes meios artísticos, seja o Escapismo.


No final do documentário, é difícil não nos questionarmos o que leva tantos milhares de pessoas a fazerem o que fazem, a seguir o que seguem, tão cegamente. Do meu lado, não consigo ver qualquer diferença entre esta meca, e as anteriores criadas pelas várias religiões no planeta. O ser humano precisa desesperadamente de motivos para acreditar em algo superior a si, seja de que ordem for.

julho 26, 2013

sobre o criador de Minecraft

Markus Persson mais conhecido por "Notch", foi alvo de um texto biográfico por Simon Parking para a revista New Yorker, intitulado The Creator. Nesta análise podemos ficar a conhecer melhor quem é o criador por detrás de um dos maiores sucessos do mundo dos videojogos, Minecraft (2009-2011). Posso dizer que o que mais me surpreendeu foi a coerência cultural que emana das vivências dos países frios do hemisfério norte, da Escandinávia ao Alaska.

Markus Persson, criador do videojogo Minecraft (2009-2011)

A infância de Persson, na Suécia, não difere muito da de muitos que hoje em Portugal têm entre 35 e 40 anos, e que começaram as suas primeiras experiências informáticas a programar num ZX Spectrum. A testar sistemas e a sonhar com uma carreira num mundo das tecnologias e cultura ligada ao desenho e desenvolvimento de videojogos. Tal como cá, Persson também foi desaconselhado a seguir tal rumo. Era algo sem futuro, impossível de cumprir enquanto atividade profissional num país pequeno como a Suécia. Por isso seguiu Design Gráfico. Este seu percurso permitiu-lhe começar a criar os seus primeiros jogos, a desenhar e programar mais de 30 jogos em Flash, enquanto trabalhava como web designer. Foi com este background que surgiu a ideia e as competências para levar a cabo Minecraft. Inicialmente ficou em part-time na empresa de web-design, e depois saiu completamente apenas para terminar Minecraft.

Um percurso perfeitamente legítimo, auto-explicável, sustentado, sem passos de mágica ou genialidades incompreensíveis. Muitos anos, muito investimento pessoal em fazer aquilo que se sonhava desde cedo. E por isso me interessou ainda mais a sua história familiar, que achei deveras interessante, e impossível não comparar com outras histórias dos países frios do Norte.

Persson teve uma adolescência agitada, com um pai alcoólico e muito pouco presente. Ainda assim, nas suas declarações podemos compreender como este o amava. Podemos compreender que apesar de distante, o seu pai foi fundamental na suas escolhas e na perseverança em lutar por aquilo em que mais acreditava. Não vou aqui relatar o que está no artigo, porque seria de algum modo revelar o clímax da narrativa do texto de Parking, que julgo que vale a pena ler por completo.

David Vann, Legend of Suicide (2008) (analisado aqui)

Quero apenas aqui estabelecer a ligação entre aquilo que poderão ler na segunda parte do texto, a propósito da vida pessoal de Persson e do seu pai, com aquilo que experienciei na leitura do livro de David Vann, Legend of Suicide (2008) (analisado aqui). Persson na Suécia, Vann no Alasca, com tanta proximidade nos sentires. Se sentiram a história de Persson, aconselho vivamente a leitura do livro de Vann.

julho 25, 2013

as portas da percepção

Enter the Void (2010) é uma inspiração cinematográfica, na forma e no conteúdo, é uma obra-prima. Um acesso visual ao nosso mundo que só o cinema nos poderia dar, é a linguagem cinematográfica a evoluir, a atingir patamares sonhados, mas nunca antes trabalhados, à espera de Gaspar Noé. A qualidade visual só foi possível graças ao envolvimento da empresa de VFX francesa, a BUF, e graças à enorme persistência de Noé para conseguir realizar o seu sonho. Noé diz-nos que a inspiração para o filme veio de,

"Lady in the Lake, smoking joints, eating mushrooms, reading books about life after death ['The Tibetan Book of the Dead']" [fonte]
Só faltou referir o aspecto visual de 2001: A Space Odyssey (1968) de Kubrick e Trumbull, para termos o conjunto completo. Lady in the Lake (1947) foi o primeiro, e continua a ser o único, filme inteiramente filmado em primeira-pessoa. Aqui Noé começa na primeira-pessoa, ao fim de algum tempo passa para terceira-pessoa, e passado algum tempo passa para aquilo que nos videojogos definimos como god mode, vista de cima do todo. Muitas das cenas do filme parecem totalmente impossíveis de conseguir, algumas bastante mundanas, como a da casa de banho, mas impressionam quem sabe que naquele espaço delimitado seria impossível colocar uma câmara. Daí que o filme seja todo um universo visual fabricado, mas ao ponto de ser perfeitamente credível. São 2h41m de movimento de câmara, sem pausas nem interrupções, é de tirar o fôlego. Impressiona como Noé nos leva ao longo de tanto tempo, sem nos darmos conta dos minutos que passam, porque nos sentimos tão envolvidos, tão próximos, como se aquela câmara, fossemos nós ali mesmo, a olhar para a realidade.



Noé faz neste filme aquilo que foi sonhado já muitas vezes por críticos de vanguarda como André Bazin ou Chris Marker, a propósito do poder do cinema, da sua capacidade para dar a ver, da sua força expressiva para ilustrar ideias, para comunicar por imagens. É toda uma nova linguagem que temos aqui, profundamente visual, expressiva e ao mesmo tempo tão narrativa. Noé, elevou o cinema a um novo patamar. Nunca antes a primeira-pessoa tinha sido utilizada desta forma tão capaz de comunicar connosco. Lady in the Lake falha, porque apesar de utilizar a primeira-pessoa, narrativamente fá-lo de um modo convencional. Noé, criou toda uma nova gramática para fazer uso desta perspectiva. Para suportar a subjectividade visual, usa a câmara colada ao pescoço do personagem, como nos videojogos, e usa incansavelmente o god mode. Para além disso, usa um artifício narrativo essencial, o protagonista é suportado por um co-protagonista, companheiro emocional, a irmã. Sem isto, seria difícil chegar ao âmago da emocionalidade do protagonista, e claro do filme. Porque tal como em Lady in the Lake, raramente vemos a cara do protagonista, e por isso dificilmente nos conseguimos projectar sobre ele, a empatia seria difícil, se não impossível sem a irmã. Basta pensar no acidente que aparece ao longo do filme várias vezes, para perceber a importância do papel da irmã.


Relativamente à história, Noé parece ser muito directo no que quer dizer, e nem sequer o esconde por detrás de simbolismos, como por exemplo podemos ver Leos Carax fazer. O filme introduz-nos de imediato ao que vem, apresentando-nos ao Livro Tibetano dos Mortos, e chega mesmo a fazer uma breve um introdução ao seu essencial por meio de um personagem. O filme abre-se, é narrativo apesar de todo o ultra-experimentalismo a que podemos assistir. Dificilmente poderíamos ter tido um objecto tão perfeito como este, capaz de segurar de um lado a essência do storytelling, com causa-efeito coerentes, e ao mesmo tempo tanto deslumbre técnico-visual, que poderia quase por si só sustentar todo o filme, como tantos ousaram no passado fazer.


Noé leva-nos através de uma viagem filosófica sobre a vida. Sustenta as suas teses na visão budista do corpo e mente, e dá-lhes corpo por meio de drogas alucinogénicas, as únicas capazes de abrir as nossas "portas da percepção" segundo Aldous Huxley (1954). Jim Morrison tinha-se encarregado de verter as portas da percepção para poemas e música. Agora Noé conseguiu materializar essa ideia em imagem, e mostrar finalmente de que são feitas essas portas, por meio do cinema.

julho 24, 2013

o colapso é possível...

Depois de nos ter apresentado a história das sociedades que prosperaram na Terra em Guns, Germs, and Steel (1997) (aqui analisado), Jared Diamond escreveu Collapse (2005) para apresentar as sociedades que definharam e se extinguiram. Diamond continua a trabalhar os mesmos factores ambientais para sustentar a sua narrativa, mas desta vez não o faz para explicar como fomos bem sucedidos, mas antes para lançar um alerta, sobre o que pode pôr um fim a muito daquilo que conseguimos desenvolver até aqui. Não é um livro fácil, porque nos coloca de frente a muito daquilo que por vezes queremos evitar pensar, mas necessário porque por enquanto temos apenas um planeta onde habitar.


Alguns dos exemplos trabalhados, são famosos e amplamente citados na história, como os povos da Ilha da Páscoa, da Gronelândia, ou os Maias. Já num âmbito moderno trabalha exemplos como o Rwanda e o Haiti e abre a discussão sobre os problemas da Austrália e China. A explicação geral para o desaparecimento dos povos é amplamente suportada por tudo aquilo que já nos tinha apresentado no seu anterior livro, e por uma lógica profundamente darwinista da vida na terra. Diamond sintetiza cinco pontos essenciais para os colapsos de sociedades: alterações climáticas; vizinhos hostis; desaparecimento de parceiros comerciais; problemas do ambiente; e a incapacidade de adaptação às alterações do ambiente.

Foi com grande perplexidade que fiquei a saber que uma das principais razões para o desaparecimento dos povos da ilha da Páscoa poderá ter estado no abate indiscriminado das poucas árvores que existiam na ilha. Utilizadas para construir casas, mas principalmente para ajudar na construção e transporte das célebres estátuas. O seu desaparecimento terá contribuído para alterações profundas do ecossistema da ilha, que tornariam a vida aí insustentável. O abate das árvores não é dado como causa única, mas uma das mais relevantes, e torna-se inevitável não pensar em tudo aquilo que temos vindo a fazer ao nosso planeta. Se podemos exterminar as nossas possibilidades de sobrevivência numa ilha, o que nos impede de fazer o mesmo num planeta?


Porque dos vários factores ambientais que contribuíram para o colapso dos diferentes povos, muitos parecem encontrar paralelo com aquilo que hoje enfrentamos, não apenas localizados, mas totalmente globalizados.
  • Desflorestação
  • Erosão dos solos
  • Problemas com água
  • Excesso de abate de carne
  • Excesso de abate de peixe
  • Sobrepopulação
Em termos de sobrevivência a sobrepopulação, é sempre o ponto último. É chocante ler como alguns povos no passado, antes da invenção dos sistemas anti-concepcionais, resistiram ao problema recorrendo não ao mero aborto, mas ao infanticídio como prática aceite pela comunidade. A demonstrar como o homem é uma espécie animal imbuída do mais profundo instinto de sobrevivência. Apesar de ainda assim ser incapaz de dominar a natureza, começando pela sua própria, em toda a sua extensão.


Ao ler tudo isto, fico a pensar que foram atingidos patamares de sobre-abundância alimentar na Europa, e que soubemos controlar o potencial caos que essa abundância poderia trazer com o esperado aumento da população, através do recurso à tecnologia química, controlando os ciclos menstruais das mulheres, ou impedindo a evolução dos fetos. Mas fica a faltar saber até que ponto este controlo racional, em nome do conforto, felicidade e facilidade das condições de vida, não poderá vir a determinar o colapso da nossa própria sociedade! Porque não basta conhecimento e avanço tecnológico, para isso basta ler sobre o colapso da civilização Maia, uma das mais avançadas que já passou por este planeta. Seria bom que pudéssemos aprender alguma coisa com os erros do passado, e este trabalho de Diamond é um excelente começo para ganhar consciência desses nossos erros.

julho 23, 2013

o racional sobre o emocional

Alguns filmes são demasiado bons para não falarmos deles, para não nos perdermos um pouco mais na interpretação do que se pôde ver, ouvir, e compreender. Tuesday After Christmas (2010) de Radu Muntean é um desses casos, sendo inevitável começar pelas palavras do próprio realizador,

“What happens with these kinds of movies is that everyone interprets them in relation to his own life, his own sensitivity… I was trying to maintain a certain equilibrium between the characters and avoid clichés that would simplify the situation.” Radu Muntean 
Duas afirmações que se espelham na perfeição nesta obra. A obra toca sentimentos tão íntimos que se torna impossível a cada espectador, não criar um juízo próprio sobre o que presencia na tela. Mais porque Muntean cumpre o segundo ponto, o de evitar por completo os clichés das relações amorosas e do fim das mesmas.

Podemos dizer que isto é pura literatura cinematográfica. Ver este filme é atravessar um momento vicário do mais puro que se pode sentir frente a um filme. Principalmente para quem vive uma relação a dois, estruturada, estabilizada, com casa, carros, filhos... Ver Tuesday After Christmas inevitavelmente nos cola à nossa vida, e nos questiona de forma lancinante: "E se fosse eu... e se fosse comigo...?" "O que faria...?" "Como reagiria...?"

O filme abre uma hipótese de resposta. O brilhantismo dessa resposta está no quão pouco expectável ela é, e ao mesmo tempo tão civilizada, tão moderna, tão racionalizada. E é isso que coloca o filme num tão elevado patamar artístico. Porque é algo que ainda não tinha sido explorado desta forma. A solução e conclusão, é algo que mexe connosco porque a nossa racionalidade segue o filme, acompanha e compreende, mas é a nossa emocionalidade que se choca, e luta.


Radu Muntean homenageia assim mais uma vez a qualidade do cinema romeno, que vem sendo reconhecido ao longo dos últimos 10 anos de uma forma estrondosa, com prémios da crítica, mas também uma boa aceitação do público. É um despertar da cultura de um país que viveu aprisionado demasiados tempo. Deixo uma síntese de Zeitchik para o LA Times, com a qual concordo plenamente,
"a remarkable, pitch-perfect work, as convincing and affecting a portrayal of the subtleties of modern life and marriage as you'll find on the screen… if cinematic genius is taking a story we think we've seen before and telling it an entirely fresh way, Muntean is ready for Mensa…It's simply absorbing, authentic storytelling…

julho 22, 2013

Medo e a Modernidade

Perdemos o medo de sobrevivência física, de quando vivíamos com outras espécies na floresta, mas ganhámos novos medos, como o da sobrevivência da nossa identidade aos avanços da tecnologia. Somos seres feitos de medo, é ele que mantém a chama da vida acesa.


Num artigo do New York Times compara-se o Facebook ao surgimento dos primeiros cafés em Londres no século XVII, e coloca-se a nu o facto dos medos de há quatro séculos, terem mudado muito pouco. Por sua vez Randall Munroe do XKCD fez uma tira de BD na qual cita uma série de comentários do final do século XIX e início do século XX, a partir de várias revistas científicas da altura, nas quais se podem identificar muitos dos “males” da sociedade do corrente século XXI. Em ambos os casos, o discurso pouco se alterou, a nossa biologia ainda menos, as tecnologias evoluíram mas os nossos medos permaneceram inalterados.
Anthony Wood, um académico de Oxford, dizia em 1677: "Why doth solid and serious learning decline, and few or none follow it now in the University? Answer: Because of Coffea Houses, where they spend all their time."
As distração que corrompe as massas, os males das escolas, os efeitos perniciosos da falta de leitura, a perda da decência, a perda das vivências em família, o jornalismo do sensacionalismo, a destruição do pensamento pelo aumento velocidade da comunicação... São apenas alguns dos assuntos, através dos quais podemos viajar no tempo, e compreender como apesar de termos progredido bastante, os nossos medos continuaram intactos, e a dar-nos razões para continuar a viver!

do correio ao e-mail


 
das escolas incapazes de motivar as crianças


da velocidade furiosa da informação


do jornalismo sensacionalista


os laços familiares, das revistas ao iPad


da decência e bons-costumes

julho 18, 2013

"Reality Is Broken: Why Games Make Us Better and How They Can Change the World" (2011)

O propalado livro de Jane McGonigal, deixou-me estupefacto quanto à sua falta de compreensão sobre o mundo, a vida, e no fundo a realidade que a rodeia. Diz-nos em suma, que "a realidade está partida"!?Para alguém com um PhD esperava mais. Embora perceba que é um discurso profundamente americano, daqueles cheios de números, de milhões que impressionam, e arrastam plateias, que depois de espremidos, sabem a muito pouco, porque na verdade, pouco ou nada se aprofunda sobre tudo aquilo que se diz.


Não digo que tudo esteja errado, até porque muito do que ela diz é interessante, nomeadamente no caso aplicado do design de jogos, nos chamados processos de gamification, ou dos Alternate Reality Games (ARG). Embora mesmo aqui, grande parte do discurso se aplique mais ao domínio dos jogos do que dos videojogos, o que não teria mal nenhum, não estivesse ela a tentar dar a ideia de que o discurso se aplica de igual modo aos videojogos. Mas o meu problema com o seu discurso, está na essência do objectivo do título do livro. E é aí que o livro perde todo o interesse, porque McGonical não faz a mínima ideia do que fala. Porquê?

Simples. McGonigal tenta vender a ideia de que se aplicarmos o design de jogos à vida, à realidade, poderemos transformar o mundo. Isto porque segundo ela, o mundo está quebrado!!! Para McGonigal a vida deveria resumir-se a uma lista pronta de objectivos a atingir, com pontos conseguidos a cada conquista, e com um objectivo final perfeitamente definido, à nossa espera. Pois, infelizmente ou felizmente, nada disso é a vida, porque a vida não é um sistema regulado, linear, rígido, focado, estabilizado, pré-determinado, fechado, etc.

A realidade é orgânica, tal como o simples acto de viver. Não nascemos com um destino marcado à nascença, nem queremos que nos marquem na adolescência. Viver, é enfrentar a inconstância, a incerteza, a descontinuidade. O ser humano mais criativo, mais capaz é exatamente aquele que consegue aprender a lidar com a organicidade do ecossistema que habita.

O que McGonigal nos traz, não é nada mais do que aquilo que a revolução industrial nos trouxe, com as suas tentativas de regulação, por via da harmonização das diferenças. McGonigal apresenta a solução para consertar o mundo e a realidade, que segundo ela está partida. Através do design de jogos, quer delinear os caminhos, categorizar as atividades, motivar por objectivos, ajudar a cumprir o destino. Porque segundo ela, jogar é divertido, por isso se jogarmos a vida, vamos nos divertir imenso!!! Na sua ingenuidade, McGonigal não entende que com isso, não salvará ninguém, contribuirá apenas para aprisionar mais as pessoas. O que é o dinheiro, se não o maior sistema de gamificação das relações humanas alguma vez inventado? Precisamos de mais sistemas deste género?

McGonigal terá de perceber que não basta citar meia-dúzia de estudos de psicologia sobre a emoção para suportar algumas das banalidades que debita ao longo do livro. Não basta suportar alguns pontos do discurso com estudos, é necessário saber situar aquilo que se pretende afirmar com esse suporte, e McGonigal claramente não sabe. A leitura de Thinking, Fast and Slow (2011) de Daniel Kahneman teria ajudado bastante. É uma pena, porque existem vários assuntos tratados por ela, de forma muito interessante.

Em jeito de resposta, deixo o vídeo com as palavras de Ken Robinson, que coloca o dedo na ferida, do modo como vemos a sociedade humana, e o modo como ela realmente funciona: “a educação... a vida humana, e as comunidades humanas... não são mecanismos, mas antes são mais como organismos... o nosso sucesso é sinergético com o nosso ambiente”. Ou seja, o que precisamos, é de construir modelos para a diversidade, não para a conformidade, porque só assim cada um se poderá encontrar a si mesmo, se definir enquanto ser humano, e realizar-se plenamente.

How to Find your Element (2013) palavras de Ken Robinson, ilustração de Molly Crabapple

julho 17, 2013

a força da repetição

The Turin Horse (2011) é sufocante, do princípio ao fim, ficamos colados ao ecrã. A repetição das ações, a repetição dos movimentos de câmara, a repetição do tema musical, tudo nos sufoca, e no entanto não conseguimos desligar. O Cavalo de Turim é uma espécie de cavalo de Tróia que se introduz em nós, nos corrompe, transformando o nosso mundo ao longo de duas horas e meia.

Em Turim, em 1889, Nietzsche protege um cavalo que é brutalmente espancado. Depois desse episódio, perderá a razão. No campo, um camponês, a filha e o velho cavalo. Lá fora, uma tempestade.
O filme abre com uma referência a um episódio do final da vida de Friedrich Nietzsche, não tanto pela importância do episódio, mas por tudo aquilo que o filósofo traz à conotação de tudo aquilo que vamos testemunhar a seguir. “Deus está morto”, e o homem que é agora um “super-homem”, é aqui trazido de novo à sua condição de mero mortal, subjugado, limitado às imposições das forças da natureza.

É difícil explicar porque se sente o filme tanto. Quando um filme, ou qualquer obra de arte, atinge esta capacidade de nos tocar, torna-se muito difícil colocar em palavras, explicar o que temos perante nós. É um filme que age sobre nós, de uma forma muito peculiar, e por isso mesmo, tocará alguns e afastará muitos outros. É uma obra muito pessoal de Bela Tarr, já que nos é apresentada por si, como sendo o seu último filme.

Tarr parece não ter mais nada para dizer no cinema, por isso leva-nos através desta viagem insólita, na companhia de um pai, uma filha, e um cavalo, rumo à escuridão, ao final de tudo. Muitos questionam-se porquê? Eu por outro lado, questiono-me porque autores de referência como Manoel de Oliveira, ou Woody Allen continuam a fazer filmes. Como podem ter algo de novo a dizer todos os anos. A verdade, é que não têm, e a sua atividade, há muito que deixou de ser em nome de expressar um sentir pessoal, para passar a ser em nome das máquinas de produção que os rodeiam.


The Turin Horse é um objecto admirável em termos técnicos no campo da cinematografia, tanto na imagem a preto e branco, com contrastes muito puros, como nos enquadramentos notáveis, e mais ainda pelos longuíssimos planos sequência que enquadram a ação, e enquadram o sentimento de cada cena, de cada momento, conduzindo o nosso olhar, restringindo-o e focando-o. Hipnotizante.